quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Uma métrica especial


Entrevista a Luis Henrique Pellanda – parte 3

|Carolina Vigna-Marú


Terminamos a publicação da entrevista a Luis Henrique Pellanda falando da sua música e da banda Woyzeck (na foto, Pellanda aparece em primeiro plano). Ficamos também a conhecer uma das músicas produzidas pela banda que conta com Pellanda na voz.

 Qual a diferença, além das questões técnicas, é claro, entre escrever um roteiro, um conto, uma música? Exigem momentos de vida ou emocionais diferentes ou é apenas um cumprir de agenda: agora preciso/quero fazer isso, amanhã faço aquilo?

Acho que a música sempre foi algo mais emocional. Já escrevi bastante música, mas com ela nunca me senti envolvido num trabalho profissional ou mesmo intelectual. Não estou dizendo que os músicos não trabalham com o intelecto, por favor. Comigo é que era assim, uma espécie de desafogo alegre, algo teatral, envolvendo voz e movimento, dança e corpo, algo que exigia minha presença física num palco e certa desenvoltura de ator, uma máscara, no bom sentido. Não era eu, era o que eu gostaria de ser naquele momento de celebração. É um troço prazeroso, mas cansa. Cansa, mas quando você para, faz falta, e isso é evidente, pois tudo que nos dá prazer, quando acaba, faz falta. Hoje não trabalho com isso, apenas me divirto com isso, e muito raramente. É questão de prazer, não envolve agonias produtivas.


Com roteiros é trabalho. Também há prazer, mas há prazo. E nunca são projetos meus, pessoais. São encomendas. Gosto de trabalhar com isso e, durante o processo, me entusiasmo com as descobertas que ele me proporciona. É bom, mas é algo que faço porque preciso/quero fazer. É onde entra a disciplina. Estou passando por um momento desses agora, trabalhando com alguns projetos de cinema, com outro de teatro e um livro de contos, fora os frilas jornalísticos e as tarefas domésticas. A pia está cheia de louça, as roupas estão sujas, temos que reservar espaço na caderneta para a escolinha da filha, o aspirador de pó, a máquina de lavar, o ferro elétrico, a faxina dos dias.

E, só para completar o raciocínio, quando escrevo literatura, também é porque quero/preciso, mas ninguém nos paga para isso. É aquela boa ação que praticamos à toa e em nome de ninguém.

O nome da sua banda, Woyzeck, é por gostar do Georg Büchner ou por ter um grande senso de humor, ao dar o nome de uma peça inacabada para uma banda? Aliás, adoro Putaria Franciscana e O Gourmet e o Bicho Bom. A banda continua? Sempre achei que escrever é uma questão de ritmo. Você acha que se complementam ou são apenas vertentes diferentes de uma mesma ação, uma mesma emoção?

Quando entrei na banda, lá no fim dos anos 80, o pessoal que me convidou já tinha dado esse carma ao Woyzeck — pobre Woyzeck, como trabalhamos, e tudo por um ou outro prato de sopa! O porquê do nome? Era mais ou menos esses todos, conjugados. Gostávamos de teatro e de música, éramos adolescentes dramáticos mas bem humorados, roqueiros leitores cheios de projetos e pretensões. A sonoridade do nome Woyzeck também tinha a ver com a de alguns sobrenomes curitibanos. Tivemos uma boa trajetória, me orgulho dela e dos meus amigos músicos, que tenho até hoje como irmãos. Eles continuam, tornaram-se, quase todos, músicos profissionais. Mas a banda não, ela parou, embora, como a peça, continue inacabada. Quer dizer, não morreu, apenas parou (me refiro ao Woyzeck, não às outras bandas de que participei). Mas, sim, ainda nos reunimos, às vezes uma vez por ano (embora tenhamos falhado em 2012).

Por fim, também acho que há muito dessa questão do ritmo na tarefa de escrever, principalmente para alguém que lidou com música por tanto tempo. Tudo o que escrevo obedece a uma métrica pessoal, íntima, minha. Cada frase tem que ter tantas sílabas, uma tônica aqui, outra ali etc. Para quê? Para nada. Mania, ou frescura. Ninguém nunca perceberá isso, mas às vezes mudo uma palavra por um sinônimo mais curto ou mais comprido porque acho que determinada frase está com uma sílaba a mais ou a menos. Mudo, leio em voz alta, acho que corrigi alguma coisa e me amanso. Escrever canções não é escrever contos. Mas os caminhos que percorremos enquanto produzimos música ou literatura nos fazem cruzar cenários semelhantes. A paisagem é igualmente excitante. Sempre me deu alegrias aparentadas. Alegrias, sim, porque eu não sinto dor quando faço essas coisas. A dor é um feitiço paralisante.




LUÍS HENRIQUE PELLANDA nasceu em Curitiba (PR), em 1973. É escritor, músico e jornalista, formado pela PUCPR, em 1999. Escreveu os livros O macaco ornamental (contos, Bertrand Brasil, 2009) e Nós passaremos em branco (crônicas, Arquipélago Editorial, 2011). Organizou os dois volumes da coletânea As melhores entrevistas do Rascunho (Arquipélago Editorial, 2010/2012). Cronista e coeditor do site Vida Breve, foi subeditor e colunista do jornal literário Rascunho, de 2005 a 2011. Editor do blog de literatura e música Eletroficção, também é cronista da revista Topview. Como repórter, teve passagens pelos jornais Primeira Hora e Gazeta do Povo, onde trabalhou nas editorias de cultura. Também atua como mediador e curador de eventos literários.