sábado, 9 de fevereiro de 2013

vim atado à minha mãe com meias voltas no cabeço (2ª parte)

|João Bentes


não obstante tive a coragem de conhecer o bom cinema
bach e chostakovitch e mais a puta da poesia
descobrir a escrita e deixar de poder conversar
com os meus coleguinhas muito felizes e contentes
percebi o quanto estava tudo fodido depois
de muito haxe dei na branca e no mê-dê
alucinei o que tinha de alucinar e
como se não bastasse fiz-me empregado de check-in
no verdadeiro centro de emprego cá de faro
recusei o sucesso de um contrato de 2 anos
farto de gente imbecil que reclama
agonizando na importância da sua hipocrisia
nunca me hei-de esquecer da palmadinha nas costas
dos que me disseram parabéns sr. engenheiro
tem média de 14 e muito boa sorte
depois de tanta propina ainda tem que pagar
mais 116 euros pelo cabrão do diploma



entre o trabalho decadente e a química abstracta
fui um alegre consumista nos bares criminosos
fiz toda a merda que podia na esperança de encontrar
a lídia mais aflita que me rompesse a timidez
e ainda juntei uns trocos para ir até marrocos
houve pelo menos uma vez de me perder em sevilha
estive até em lisboa uma semana inteirinha
outros tantos dias vagueando pela costa vicentina
o que só me deu mais vontade de desaparecer

 
foi um não sei o quê de não conseguir explicar
o que não conseguem os acomodados
para quem tudo se resume numas contas a pagar
desculpando a má sorte de um melhor nível de vida 24 
com a tristeza acumulada de um tem de ser
nas forjas do progresso pelo interesse liberalista
são precisos os colhões da trágico-marítima
para vos mandar p’ró caralho mais a vossa democracia
onde hão-de arder tão românticos e federais
nos cofres do central banco europeu


e foi preciso morrer-me o pai
para regressar à seiva do meu ser
afastar-me lentamente das coisas deste mundo
até conseguir a melhor forma de não querer
com a frieza de me despojar de todos e de tudo
para que apenas tenha o que sempre houve antes
que é esta terra onde vivo e que também é minha
onde recuso a vossa estranha liberdade
levanto forte e alto o duro braço da poesia

Odes, 4águas, 2013