quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Uma clareira no mar


Entrevista a Aurelino Costa

|Luís Filipe Cristóvão


Em semana de Correntes d’Escritas, decidimos procurar uma das figuras emblemáticas deste encontro. Aurelino Costa é um autor da Póvoa de Varzim, que desde o primeiro momento tem feito parte do programa do encontro, funcionando, tantas vezes, como um um representante informal do poder que este evento tem na cidade.

Nascido em 1956, Aurelino Costa é poeta e diseur, sendo que na edição de 2013 voltará a estar nas Correntes para apresentar o seu novo livro, Domingo no Corpo, da Deriva Edições. Procurando encontrar as origens deste encontro e as sensações que ele desperta nas pessoas que mais intimamente o vivem, não será de estranhar, para quem conhece Aurelino, que a entrevista rapidamente se transformou, ela própria, num poema. Como sublinha o autor, a certo passo, “os encontros podem criar uma clareira no mar”.

O que significa, para um autor poveiro, a realização de um encontro como as Correntes d’Escritas na cidade?
A Póvoa, como o Mar, é ponto de partida e chegada. Tal como o Mar, a cidade tem correntes. Quando as correntes são de escrita, não se sabe muito bem onde começou o ímpeto, conhecem-se essas vagas pelas emissões de texto e suas recepções e é com esse material que a Onda resiste, ou não, à depuração e à praia. Ou, no melhor dos casos, renova o seu êmbolo acrescentando uma ou outra molécula. Sendo da Póvoa, o encontro in loco com Moléculas permite-me a Viagem.

Que mudanças trouxe à cidade a realização das Correntes?
As mudanças partiram do Interno. Respeitam a um dos maiores vultos, como dinamizador cultural, dos últimos cinquenta anos na Póvoa: foi Manuel Lopes. A "edilidade", com Vieira, Diamantino e Manuela,   deixou -se por ele iluminar, e erguendo a sigla "capital da cultura", mexeu, sem dúvida, no estertor do vivido e a ebulição criou a mudança mental e criativa, dando à cidade/povo, uma estima, sem precedentes.

Muita gente que passa por aí fala do espírito das Correntes, como se o encontro tivesse ganho uma alma que o ultrapassa. Como definirias essa sensação que toca todos os convidados?
Os Encontros podem criar uma clareira no Mar, um ponto imprevisto, um texto enunciado e não-anunciado. Tal depende sempre de quem está, uma vez que cada autor só se pode representar a si mesmo e nem se lhe pode pedir, sequer, que represente a sua escrita que, em muitos casos, constituiu uma interrupção pessoal do modus vivendi. As próprias Mesas que estruturam o acontecimento servirão, em alguns casos, para a exposição de pensamentos diversos. A diversidade é também o munus da escrita. Às vezes deflagra uma diferença: aí já há “espírito”, isto é: uma nova molécula que é chama para um pavio que se pode prolongar ou simplesmente extinguir como as cartas, agora emails, que só tinham um destinatário mas não deixavam, em casos, de ser um “livro não publicado” ou, pelo menos, um livro publicado apenas para um destinatário.

Estiveste sempre presente nas edições do encontro, queres dizer-nos quais os momentos mais marcantes das Correntes?
Falarei do meu momento mais marcante: Quanto subi "às tábuas" do Auditório, na companhia de perto de uma dúzia de pescadeiras, apregoadoras da "roda", com peixe fresco nas mãos e um "mar de piano" saiu do corpo do Alberto Augusto, voando na sala a "Lusitânia no bairro Latino 2"/ Ladainha das Lanchas”, do Nobre. Desse momento, Mário Delgado Aparaín, rasgou o personagem (eu) que viria a marcar o seu "Canto da Corvina Negra", editado anos depois.

As Correntes mudaram a vida de alguém na Póvoa de Varzim?
Sim mudaram, a mudança é uma constante, quer queiramos quer não! Pelo menos, o estar em palco dessas pescadeiras, garantiu-lhes uma auto-estima, formidável, na garimpa da Vida: passaram a ser cúmplices da Arte. E, mais que cúmplices, a serem Arte. Foram repostas na cidade, em que sempre foram afincadamente belas. Lembro-lhes os abraços, a ternura, e seus olhares arregalados. Sei que Corsino Fortes, chorou de emoção.

Este ano, vais também lançar um novo livro. Queres falar-nos um pouco dele?
Já não publicava um livro desde 2005, o Na Terra de Genoveva. Desde essa altura, a presença do ímpeto gerou em mim muitos textos que estiveram em poisio para ver se aguentavam. Alguns morreram na praia porque tinham vindo de boleia nas Vagas, outros, aqueles que publico em livro neste Domingo no Corpo resistiram, julgo, à praia e terá de ser alguém com clínica – a analisar em laboratório se neles se encontra alguma nova Molécula.