sexta-feira, 3 de junho de 2011

Endechas a um amigo perdido


|André Simões

À  memória do Rui 

Ausência

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner

            I. Mater Dolorosa
           
            Vergada sobre a montra. Os olhos inchados de lágrimas perpétuas. Não sei o que olhava. Nada. Desesperada. Ali estava. Imóvel. Em que pensaria. Parei uns segundos. Para lhe perguntar por ele. Como estava. Soubera-o naquele mesmo dia. Não tive coragem de a acordar. Vergada sobre a montra. Não olhava para nada. Estátua de sal. Das lágrimas. Mater dolorosa.

            II. A flor
           
            Estavas sentado, em silêncio, como tantas vezes. Apreciávamos a companhia um do outro, sem necessidade de palavras. Bastava-nos a presença do outro. Tinhas pegado numa folha de papel, abandonada sobre a caótica mesa do meu quarto. Dedos ágeis. Minutos depois era uma flor, pequena. Estendeste-ma. Coloquei-a num copo de shot. Ali amareleceu com o tempo e o fumo dos nossos cigarros.