sexta-feira, 5 de abril de 2013

Três poemas de Alexandre Homem Dual


|Alexandre Homem Dual

A Dança dos Homens

Sob o manto marmóreo do sonho
flui a torrente da realidade líquida,
fervilha o excesso que queima a pele
e a rasga de dentro para fora.
Contemple-se: uma pantera e um tigre
deitados - num abraço num beijo num orgasmo -
numa cama de flores e de grinaldas,
mergulhando no esquecimento de si mesmos.
E como as feras o homem despido
cantando e dançando consigo mesmo (e com os deuses) -
porque todos os homens são ele mesmo (e são os deuses) -
deixa-se embriagar pela renovação da primavera.


*

Paisagem: um poema inútil

O céu cinzento toca, com os seus dedos de chuva, 
notas soltas nos vidros da janela e no telhado de telha algarvia
enquanto, no rádio, Miles & Coltrane preenchem os momentos de pausa
que respiram entre as gotas da água que musicam o silêncio.

Se eu tivesse os olhos abertos veria as paredes brancas da sala
pintadas pela luz amarelada do abat-jour; mas prefiro mantê-los fechados
enquanto dedilho a mesa de madeira de carvalho onde morre 
a ponta negra de uma cigarrilha e onde vive um copo de vinho alentejano,
exalando um bouquet maduro de frutos silvestres e notas de baunilha.

E ao descerrar as pálpebras, saberei que este poema é tão inútil quanto toda a vida.

*

Aqui neste sítio das tardes tenras, lentas, monótonas
e vestidas de veludo, de onde espreito o sol que,
langorosa e entediantemente, se afunda no mar 
como se para dentro de mim, arquitecto com os olhos
barcos feitos de sonhos e de velas sopradas 
pelo ar quente dos pulmões que, sendo parte 
do meu corpo, não são realmente parte de mim.
Contemplando ao longe e ali tão perto a réstea 
de luz que se apaga no horizonte e que se confunde
com os rastos espumosos por onde passei meu olhar,
invento no papel frotas novas de velhos navios cujos porões
vão cheios de pensamentos altos e sublimes, do cimo
dos quais se pode descobrir esta tarde onde 
eu de mim mesmo me desaguo no acenar aos cardumes 
de estrelas que nadam pelo céu já negro do mar…



Alexandre Homem Dual nasceu em Faro, onde actualmente reside. Já em 2013 publicou o livro de poesia “Pelagus”, que se seguiu a “Amanhã Chovi”, sua obra de estreia literária (2012). Nos últimos anos tem participado em vários números de projectos online tão diversos na sua natureza como “Minguante – Revista de Micronarrativas”, “Alterwords – Revista Literária” e “Art.Sy – Fanzine de Artes”, assinando como Alexandre Homem Dual, no caso da poesia, e como Valter Ego, quando em prosa. Criou, em 2008, o blog Amendual que ainda hoje mantém.