quinta-feira, 18 de abril de 2013

O meu pai falava em francês para estranhar a língua

|Andreia C. Faria


O meu pai falava em francês para estranhar a língua
Fazia os mais esquivos versos que eu já tinha ouvido
à boca da mulher roufenha que o meu pai
também era. Em acessos regulares escoava-os
a tosse ou caíam-lhe dos punhos na mesa de jantar
Rendilhados, animais polutos
comíamo-los, entretecíamos no estômago
um filho de carne

*

O meu pai era um homem grande
mas uma mulher pequena, e assim cambaleava
severamente no terraço onde os outros homens
obsidiavam pedras, excrementos, os mínimos muros
que o faziam tropeçar. O meu pai amava
um rapaz moreno como lixívia, um negro
que em nossa casa se sentava, recobrindo com óculos escuros
as vantagens do trabalho infértil
Todos os dias o meu pai lhe aparecia,
a mulher estremunhada, e rarefeito no vidro repetia
os seus versos de amante imerso
A langue, na condição de velha excêntrica,
na sua lascívia infantil, fazia a vez
do falso pudor, desabotoava o sexo
e com dedos anelares propulsava a escuridão