quinta-feira, 25 de abril de 2013

Há...

|Paulo Bandeira Faria


Há um banco na praça Sultan Hammet, frente à Mesquita Azul
Muito perto do obelisco egípcio e do edifício dos correios
Que tem um coração onde pus o meu nome
Deixando espaço livre para outro.
Há um sítio no palácio Topkapi onde se vê o Bósforo
A torre Galata e os barcos a entrarem
E as casas de madeira e os laivos muito azuis
Das águas em manhãs intensas.
Há velhas árvores solitárias em zonas do Sahel
Perto de aldeias onde os conhecimentos antigos
Perduram nos nossos espantos.
Há ilhas cheirando a especiarias, mercados coloridos
Salas escuras com dores de escravos e praias
De ondas verdes e espumas amarelas
Que encrespam a minha pele à espera que a aqueçam.
Há selvas fechadas e quartos trancados e varandas sobre
Os sons mais suspeitos do rio e galopes
De tempestades que se aproximam para simplesmente
Aconchegarem o meu sono noutros braços.
Há aeroportos e autoestradas sem fim
Portos piscatórios com pubs quentes e cerveja morna
E sidra fria e café aromático e cigarros compartilhados.
Há um sofá e projetos delineados em noites
De televisão apagada. Há desejo constante
No sofá, na banca da cozinha, na cama, no banco de trás
Do carro, no escritório, num prado verdejante à beira
De sinuosas escarpas. Há casas rurais frente ao oceano
E manhãs passadas na cama, almoços brindando a embriaguez
Do vinho tinto, tardes de passos lentos à chuva, noites de
Loucuras repetidas e nunca consumidas
Dure-se os anos que viva. Há
Histórias nos altos dos Andes e nos vales dos Himalaias,
Nas ilhas do Índico e nos comboios do Rajastan,
Nas estepes da Ásia e nas ruas de Nova Iorque,
Nos fiordes da Noruega e nos mágicos lagos da Irlanda,
Nas ventosas praias da Dinamarca e nos plácidos hotéis do sul de Espanha,
Nos crepúsculos dos dias de trabalho e nas noites de copos
Da Galiza com amigos, e nas rias onde velejo
Vendo nos contornos dos montes um rosto conhecido.
Há dias de tristeza em que o outro não desiste
E de alegria em que o outro se ri
Da nossa alegria esfuziante. Há dias de monotonia
Em que o pequeno-almoço é levado à cama
E ambos ficam enroscados a ler livros guardados há muito
Apreciando bordados, olhando números e letras
Organizarem-se num sentido definitivo
Por simplesmente estar a ser palmilhado.
Há momentos em que o mundo se ergue contra
E o amor apaixonado se ergue mais ainda e grita
“É meu, vão-se lixar todos
Ninguém me rouba este sonho!”
Há contas feitas em conjunto, poupanças dialogadas
Sensibilidades respeitadas e gestos discutidos
Liberdades tão mais belas porque decididas em uníssono
E infinita compreensão. Há hábitos perdidos
Por sentimentos descobertos para que duas existências
Sejam a materialização uma da outra.
Há estradas sem horizonte e motéis perdidos
Onde dois corpos se reencontram
No apaixonado conhecimento do que é seu.
Há Veneza e coffee-shops de Amsterdão onde fumarei
Flores de ilusão para nos seus contornos
Te ver outra ainda, e ramos de flores oferecidas
Em ruelas bordejadas por canais.
Há museus, galerias e lojas e restaurantes orientais
Bares incomuns e trajetos de silêncio
Em que um dorme para o outro estar acordado
E logo se encostar a descansar para o outro
O conduzir à incógnita de um novo lugar
Na curva da estrada, por detrás da janela florida
Onde lençóis de linho branco relembrarão
A contrastada evidência do negro e do vermelho.
Há o regresso ao que não se gosta com a ternura
De que um preço que se paga repetidamente
Só vale a pena pela pessoa da sua vida.
É esse nome que quero no banco da praça Sultan Hammet,
É esse o corpo que quero na cama de ilhas do Índico
No sofá de uma pequena casa de madeira
Nas noites tristes da velhice
Nas tardes alegres dos sucessos
Nas manhãs desencantadas pelas dúvidas
E nelas sempre o apoio e a compreensão que tem sentido
Ser mimado e vivido em conjunto.
São esses dois que quero pelas poeirentas pistas do Sahel
E nas resguardadas praias do nordeste do Brasil
E nas eternas letras dos poemas
E nas dedicatórias dos livros
E nos quadros mais bonitos
E no desinteresse do trabalho
Com pressa para se regressar a casa
Trancar a porta e dizer
“Aqui ninguém entra! ”
E quero esse rosto a ver o meu rosto enquanto velejo
E a limpar o meu rosto frente às eternas neves do Kilimanjaro
E dos perdidos vales do Tibete, a caminho de Lhassa.
E quero esse rosto junto ao meu em praias de águas turquesa
E cafés com vidros molhados pela chuva impenitente
E na almofada com o meu aroma
E no chuveiro onde a chamo
Para que venha sentir o mesmo calor que eu.
E quero esse rosto presente no dia em que sonho o que for
Um filho, uma filha, um livro, uma exposição, ou outro projeto
De qualquer tipo de viagem,
Sensual, intelectual ou geográfica.
E quero ver nele o reflexo do arco-íris das minhas emoções
E ver nele o espectro das minhas recordações
E nele a encantadora confiança de todas as exclusividades.

Por todos os sítios em que andei
Procurei partes de mim e do que sou e poderia ser,
Mas fi-lo sempre com a ilusão de que outra pessoa
Poderia vir a refazê-los ao meu lado.
Se és tu, coloca nesse destino o teu nome
No dia em que cada um dos dois achar ter chegado
O momento certo para vivê-lo.
No dia em que o teu destino tenha também o sentimento
Destes versos. No dia em que
Duas pessoas tenham a certeza de que devem deixar
Uma pele antiga para luzir outra nova
Entrevista e intensamente descoberta e sentida
Numa noite fria, numa cama de solteiro, num quarto
Onde alguém amou morrer porque sentia renascer
Neles outra existência.
O dia dos outros dias partirá quando menos se espera
E o nosso será decidido em conjunto. Já se sabe o horizonte
Já se conhecem muitos dos obstáculos. Mas todos
Serão superados se acreditarem que
Há locais pelo mundo e pelo tempo
Que desde sempre
E para sempre
Lhes estiveram destinados.