quarta-feira, 10 de abril de 2013

Onde o prazer físico aparece de repente como componente essencial do bem-estar dos terreiros.

|Philippe Delerm


Pois é,  ficaram surpreendidos?
Mr. e Mrs. Mouse fazem amor, às vezes, enfim, com bastante frequência – quando se ama, não se anda a fazer contas. Isso já se sabe, responder-me-ão, nem era preciso dizer. É verdade, é preciso é que tudo saiba bem, muito bem, mesmo sem o dizer. Não há dúvida de que é por essa razão que não se fala nisso. Mas os pensamentos de Mr. Mouse revelam-se contraditórios. Tem muito orgulho neste croissant quente da sua vida  o qual é preciso tratar pelo termo ridículo de sexualidade. Os sentimentos de Mr. Mouse neste capítulo ainda são dos mais burgueses: a melhor sexualidade é por definição aquela que não se apregoa em cima dos telhados. No entanto, um pouco por aqui, um pouco por ali, Mr. Mouse gosta de dar a entender que corre tudo bem com ele. Virilidade pretensiosa? Não, sinceramente, Mr. Mouse pensa que é bom não deixar para esses extravagantes ratos de Hollywood o apanágio de exaltar as delícias do corpo.

   O amor de Mr. e Mrs. Mouse surge-lhes de mansinho e sempre como que de surpresa, no decorrer do dia. Já acompanha a recolha das amoras, os rituais da preparação da comida. É uma impalpável certeza colada aos gestos quotidianos, ao cheiro das maçãs no forno, ao tom arruivado da cerveja. Não são precisas palavras. Mr. e Mrs. Mouse sabem que vão amar-se. Mais tarde, na noite do terreiro, os gestos falarão: fissura ou  harmonia, confiança, humildade: são gestos importantes que convém não perder, sob pena de magoar. São gestos que chegarão como a montante do dia, carregados de infância reencontrada, carregados da própria vida, e de uma verdade secreta.
   Secreta, sim. E no entanto… Mr. Mouse pensa que seria bom saber contar este longo modo de amar durante o dia que resplandece ao cair da noite e traz doçura á sua vida. Mas sabê-lo-iam as palavras? Simplesmente terá ele talento, coragem para falar nisso com verdade a Mortimer, a Jennifer, dentro de algum tempo? Quanto tempo? Amar é esconder-se, claro. Como é que se deve ensinar aquilo que se esconde? Mr. Mouse suspira. Mrs. Mouse está enroscada contra o seu ombro. Foi tão bom esta noite, e as crianças dormem tão descansadas no quarto ao lado.
   - Porque está tão pensativo, Mr. Jeremy Mouse?


Philippe Delerm, Mister Mouse ou a Metafísica do Terreiro, Trad. Clotilde Simões, Livrododia Editores, 2007