sábado, 13 de abril de 2013

Onde se prova que ainda nos sabemos divertir

|Philippe Delerm

Mr. Mouse dança como um urso. O seu fôlego de corredor a pé permite-lhe rodopiar durante bastante tempo, mas nenhuma graça, nenhuma leveza, nenhuma técnica. Paciência! No tempo em que era rato jovem, contentava-se em ver dançar os outros, na festa de Brambly Town. Baforadas melancólicas de gaita-de-foles ressoam-lhe ainda nos ouvidos. Deixava-se ficar ali, sentado no pequeno muro; todas as ratitas rodopiavam, tão delicadas, e ele incapaz de ousar convidá-las – e tinha tanta vontade de o fazer! Um dia, num casamento, deram-lhe como acompanhante uma bonita prima. Jeremy ainda se lembra daqueles slows langorosos, com as patas esticadas longe da infortunada – uma vergonha!
   Hoje em dia, Mr. Mouse recupera. A idade da timidez já se foi, e depois o contexto é diferente. Já não são festas oficiais, mas serões calorosos para os quais se convidam os amigos e todos os seus ratinhos. Sobre a erva, perto das raízes do grande carvalho, colocam-se-se à laia de toalha alguns lençóis brancos presos  com pedras. Cada um traz ora uns crepes ora uma grande tigela de ponche, aqui uns pudins, ali uns pastelinhos de gruyère,  um cesto cheio de abrunhos. Entre os troncos, esticam-se grinaldas de papel e lampiões para o serão. Oliver e Franck trazem a rabeca, a guitarra, e tudo a postos para a quadrilha – tudo  muito juntinho; ainda bem que Miss Isabella é professora de dança e dá algumas vagas noções – o rock and roll, em que Cecília, Francesca e o casal Carpenter  brilham nas figuras acrobáticas , e a farândola, levada a toque de tambor por Domenica e todos os ratinhos.
   Um pouco ultrapassado pelas proezas do rock and roll, Mr. Mouse recupera na farândola, e sai completamente de si mal a rabeca de Oliver ataca com uma ária de folclore irlandês, uma jiga escocesa. No meio do seja lá o que for, Jeremy lança-se em passadas elefantescas. Se a riqueza coreográfica não sai enriquecida, a energia atlética dispensada é meritória. Pois claro, Emily morre de riso, mas nunca se é ridículo na festa do grande Carvalho.
   Quando chega o serão e os bailarinos perdem o fôlego, ficam mais tempo sentados perto das toalhas, bebem licor de murtinheira enquanto falam de tudo e de nada, é Mortimer que toma as coisas em mão. Eclipsa-se durante um largo momento com todos os ratinhos, todas as ratinhas. Quando regressam, precedidos pelos lampiões que tornam a noite nascente mais azul, o seu espectáculo de circo está pronto.

   Os pais juntam-se uns aos outros, parece que é para aquecerem um pouco as patas molhadas pela erva, parece sobretudo que é para partilharem  mais de perto o orgulho de admirarem a sua progenitura. São tão bonitos estes truques de magia, estas acrobacias fantasmáticas, estes movimentos de autómatos recortados na luz trémula das velas, sobre um fundo de ramos e de quarto de lua. Morty vestiu o seu fato de arlequim , e apresenta os números com uns gestos um pouco inclinados, um  pouco melancólicos e graves. Emily sentou-se entre as patas de Jeremy. Mr. Mouse está duplamente orgulhoso, porque ela lhe canta ao ouvido:

Dança-se com o corpo
Dança-se com o coração
Num desses desportos
Vós sois o campeão.



Philippe Delerm, Mister Mouse ou a Metafísica do Terreiro, Trad. Clotilde Simões, Livrododia Editores, 2007