quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Objecto de transição

| Catarina Costa

Não sustém sequer a cabeça, o saco de areia onde um sorriso simplório foi desenhado com uma caneta de feltro. E lembro teu ar que tão bem revelava conhecer as margens da graça. Estranha ironia, ser um sorriso aplainado a lembrar-me tua gravidade. Como se precisasse de um objecto de transição e fosse buscar artesanato de uliginosa memória. Deixo-o cair no chão: um estampido seco é a constatação da queda. O sorriso continua incólume e é essa figuração geral de uma alegria filogenética, parada no tempo, que me faz querer rever teus traços tristes, mais verdadeiros. Com uma agulha furo o saco de areia que é a cabeça e a areia escorre num jorro finíssimo como se caísse pelo gargalo de uma ampulheta. Fico a ver quanto tempo demora um saco feito cabeça ou uma cabeça feita saco a esvaziar-se até o sorriso ser apenas um risco e não me fazer querer lembrar mais o teu.