quinta-feira, 7 de março de 2013

Se as noites existem


|Minês Carvalheira

Se as noites existem,
e elas existem e passeiam
nos telhados das casas dos amigos,
e, às vezes, não há telhados
mas só mesas e candeeiros
onde miam os gatos e cai
a chuva e se embalam
os amigos, a água que entrou
pela porta
e nos amigos
deve secar no estendal da palavra.

Se as noites existem e
elas existem se não há como
as não deixar sair
pelas janelas das casas,
e só os gatos, na verdade, entram e saem
ao mesmo tempo
porque não são exactamente de dentro
ou de fora
e miam mas nunca caem só,
como a chuva,
há sempre mais telhados do
que amigos
ou abrigos.

Isto, se as noites existem.

Se as noites existem, e elas existem
quando dá prazer escrevê-las
mesmo que caiam dos telhados
ou em cima de nós,
que estamos à mesa e não
procuramos os gatos
para secar no estendal da palavra,
porque esses já se sabe que existem
e ninguém escreve sobre
coisas que existem
ou mesmo sobre os gatos para
que deixem de miar
mas antes para que não chova
quando entram ou saem.
Como os amigos.

Se as noites existem
há um lado de cá e um
lado de lá
das portas, das noites, das chuvas escritas.
Há livros que iluminam o caminho,
quando em passeio, e que são
lugares onde não se entra nem
se sai
nos quais nunca se está tão longamente
dentro do mundo como se
pode estar, por exemplo,
dentro de um livro.
Então, temos mais pessoas
do que poemas em comum.

Isto, se as noites existem.

Mas se há noites que nunca voltam
da escuridão
ou dos telhados que chovem estendais e, às vezes, palavras,
é bom que se deixe acesa a luz
para os amigos ou para os gatos,
se os amigos já cá não estão.
Para que retornem a casa.



Ao Manuel António Pina,
com uma mala cheia de livros para os amigos.
novembro, 2012