sábado, 7 de dezembro de 2013

Mesa do Canto – “Faz frio no Inverno”

|Alexandra Malheiro

Sobre o frio de Dezembro e dos princípios do Inverno seria redundante falar. Pois se estamos em Dezembro e o seu gelo nos entra nos pormenores da roupa, colando-se-nos na pele, se o respiramos como um gume que nos fere até à traqueia, para quê falar sobre isso? Para quê falar sobre o óbvio, perder tempo com o mundano, quando há tanta matéria intelectual a debater?  Como o valor petiscativo das luzes que Natal que subsistem na minha cidade, as que se vêm, ainda que mal, da montra do meu café, em tempo de crise e míngua, lembrando vagamente que o Natal é tempo de comércio? Ou sobre o crescente tamanho das filas dos pobres que pela noite buscam alimento nas carrinhas dos que têm, também eles, cada vez menos?

Se eu não estivesse sentada, na mesa do meu café, mexendo o açúcar no fundo da chávena, confortável na minha pasmaceira, de volta do papel e da crónica e das coisas muito intelectuais sobre as quais escrever, talvez me perdesse nos olhos da mulher que pede à porta do café. Tem o olhar vazio, um pouco assustado, como se se tivesse desencontrado com o seu lugar no mundo e a mão estendida à caridade fosse a mão que, perdida, pedisse ajuda – “conduzam-me a casa, ou para dentro de mim”, porém tem duas mãos esta mulher, sujas e engelhadas e à memória chega-me um delicioso poema do Pina “o braço que falta ao mendigo é o que o sustenta” e eu penso que talvez o Pina seja também um braço, ou uma perna que nos falte por este tempo de Invernia sem que, porém, nos sustente e antes nos deixe mais ao desamparo deste frio.

 Se a tarde não estivesse tão fria talvez ainda me animassem os cânticos felizes dos estudantes trajados que volteiam na baixa, somando apoios aos seus cânticos esganiçados e desafinados, antes mesmo de arrumarem na mala o diploma e partirem de comboio ou avião para um lugar onde emprego seja uma existência real e sinónimo de pão na mesa no fim do mês.

Se eu não estivesse parada no frio, gelada, a pensar que não sei sobre o que escrever, talvez não me assolasse a lembrança da minha ultima vez no aeroporto e sobre os olhares, os abraços e as lágrimas que se acumulavam nas partidas e chegadas, iguaizinhos aos que via nos idos de setenta e oitenta, a mesma angústia da partida, um frio diferente por dentro, a mesma ânsia da chegada já com a sombra de novo regresso, tudo como deve ser, somos pobres, temos de padecer, de ter fome, de sofrer e baixar a cerviz como está escrito nos livros da escola do tempo da outra senhora.

Ah mas tudo isto perde o brilho quando eu me sento no meu sofá, dali na têvê, aprendo que o país, este mesmo rectângulo esquartejado e vendido a retalho a preço de saldo, saiu da recessão técnica, enquanto os CTT mudam de mãos, não sei o que é mas deve ser bom atendendo à alegria dos mensageiros. Na Florida umas quantas baleias encalharam na costa e na Indonésia, um vulcão, de seu nome Sinabung, resolveu eclodir. Não me ocorre nenhum outro pensamento senão um ainda bem que foi na Indonésia porque quando acontece na Islândia não se consegue dizer!