segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Depois da música

|Luís Quintais

Depois da música, a poesia será escrita como se tingida por
inegociáveis medos. Debruçou-se sobre a mesa, sobre o
arquivo, sobre o mapa da sua morte, escutou o rumor de um
mar espesso, sem mecânica. Saiu pela porta sem porta da
história e voltou ao terreno da biografia. «A música acabou»,
escreveu, «a história jaz sepultada, sem herói civilizador.»
Tudo agoniza, agonizará a partir desse ontem. Um plasma
queima o sangue por dentro, e é suja a noite, suja de um azul
ameaçador. Debruçou-se sobre a mesa. Os prédios estreme-
ciam como uma pele estremecente. A mesa era negra, como
fora o quadro riscado. Dedicado, perseguia um desígnio dis-
tante, talvez apagado no chão móvel da página.