quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Clube de Teatro

|Olinda P. Gil

Quando entrou para o Liceu não passava de um rapazola franzino, caixa‑de‑óculos, com um ar desconfiado e bom aluno. Era apenas mais uma face com borbulhas entre outros que preenchiam os corredores. O Liceu era de renome, cujos alunos eram filhos de famílias bem posicionadas, com a obrigação de dar continuidade aos pais. À parte disso, eram como todos os da sua idade: procuravam as raparigas mais simpáticas, elas procuravam‑nos. Começaram a sair à noite juntos, faziam brincadeiras, exageros, crueldades.
Nunca era convidado para estes convívios. Não ficava bem num grupo um rapazola magro, apesar de às vezes lhe darem simpáticas palmadas nas costas. Davam‑lhe o seu devido valor e respeito por ser bom aluno.
No Liceu havia um clube de teatro, no qual ele se inscreveu. Levaram‑no a curiosidade, o desejo, o bater das palmas e as luzes sobre a maquilhagem que lhe permitiam ser um outro numa outra vida. Iam representar Shakespeare – Romeu e Julieta, peça escolhida por inquérito na escola. Calhou‑lhe o papel de mensageiro.
Estudou‑o afincadamente. Leu Shakespeare todo. Decorou as falas de todas as personagens. Treinava‑as ao espelho. Lia estudos, a biografia, as curiosidades.
No dia antes da representação a “Julieta” adoeceu. Só ele sabia a fala.
Foi constrangido, sem dúvida. Ter de ficar com ar de menina. Mas não tinham antigamente os homens de fazer os papéis de mulheres?
Quando os colegas o reconheceram nem queriam acreditar. Pensavam que ele seria o mensageiro. A princípio riram‑se. Mas depois notaram a importância da personagem. E a paixão com que a representava. Um bom actor representa qualquer papel, mesmo que este seja o de mulher.
No final sentiu‑se que os aplausos iam apenas na sua direcção. Fora do palco, todos os colegas lhe vieram dar os parabéns.
Tudo isto se passou no primeiro ano de Liceu. Depois os colegas reconheceram nele mais que um rapazola franzino. Começou a sair com eles à noite, a fazer desporto, arranjou namorada. E, claro, continuou a fazer teatro. No ano seguinte iria ser Édipo.
Quando, passado tempo, estava já no último ano de Faculdade, e se fez no Liceu um encontro para antigos alunos, foi com alegria que se reencontrou com os seus colegas. Quem diria?! O rapazola agora ultrapassava os colegas em altura. Dava abraços fortes e calorosos, falava com segurança e simpatia. O desporto dera‑lhe presença. E o teatro: ensaiava agora Filodemo.