segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Mesa do Canto – Agora a língua

|Alexandra Malheiro

E agora? Como dizer “Amo-te” num dia de Inverno? Os dias de Inverno são lugares vazios, toscos, cheios de frio e de um musgo verde a lembrar passados humedecidos de ternuras que já não sabemos compreender. E agora? Que vento nos dirá o caminho de ora avante, nos ensinará os passos que havemos de dar, ainda que incertos, ainda que assustados, pela invernia, pelo vento norte, ainda ofuscados pelos fogachos que o verão nos deixou. E agora? Que luz havemos de encontrar, quem nos há-de achar neste deserto cíclico tão doente, tão humedecido por um húmus planctónico, quase quente?

Nenhum amor se deita fora, dizes, mas eu que faço com este nos braços, anestesiado pela distância que o tempo abriu em nós, uma cratera de ausências imperdoáveis, ruídos que abafam os sons da ternura como se estes nunca tivessem existido?

Às vezes ataca-me a saudade e o frio, tudo junto, como um dia de Inverno, mesmo quando ainda é Verão, como hoje, ou é Outono, que sempre há-de seguir-se o Outono a qualquer Verão, ou talvez mesmo Primavera que teimosa vem depois do Inverno a reclamar o Verão, mortificada pelo Sol. Às vezes ataca-me a saudade e o frio, tudo junto, como se a saudade um clima mais próprio dos países frios, dos que tiritam desconsolados sob a luz de nenhum sol, só a sua penosa ausência transformada em saudade numa língua onde a palavra – a saudade  - sequer existe, coisa mais triste esta de tentar dizer saudade sem ter um termo para o fazer, sem ter esta palavrinha para aquecer dentro da boca de encontro à língua. “A minha Pátria é a minha língua” – essa também vazia, que pátrias serão essas em cujas línguas não há “saudade”? Só dentro dos olhos, nas mãos vazias, a saudade sem nome navegará pelo corpo dos que sentem a ausência.

Às vezes ataca-me a saudade e o frio, tudo junto e embora me entristeça e me cubra de musgo por dentro, enquanto divago pelas ruas, pelos lugares agora sem nome, vazios de tudo o que me falta e me tenha de cobrir, tremendo-me o corpo da gélida lembrança desta existência insolitamente desirmanada, sem sentido e solitária, apesar de tudo isto e em me lembrando do que hão-de sentir os que em saudade não têm nem como dizê-lo, pareço menos triste por sentir em português. “Saudado-te”, digo, e já tudo me parece menos infeliz.