segunda-feira, 10 de junho de 2013

Morte

|Manuel Jorge Marmelo

Há manhãs em que tenho nas mãos um certo cheiro a morte. Tomo banho, esfrego-me, perfumo-me, mas o cheiro a morte persiste. Trago-o para o trabalho, esqueço-me dele, mas, de vez em quando, esse cheiro invade-me o nariz e faz-se recordar.

No autocarro, se vejo alguém olhando-me por mais do que um instante, desconfio que fui desmascarado e que os outros passageiros também sentem o cheiro a morte que trago nas mãos. Fecho os olhos, sinto perfeitamente o cheiro e imagino que os utentes me apontam todos com o nariz, que trocam olhares para dizerem “é ele, é esse o que cheira a morte”. Vejo-me levantando as mãos para mostrá-las como quem diz “vejam bem, as minhas mãos estão vivas, não podem cheirar a morte”, mas sei perfeitamente que é má ideia fazê-lo.

É possível que me acusassem de outras mortes cujo odor me tivesse impregnado, que me exigissem explicações e fizessem pergun- tas, mas eu não saberia como responder-lhes. Não sei onde escondo os meus cadáveres.