terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Quatro poemas de Rui Tinoco


|Rui Tinoco

nesta fotografia sou
eu, sentado em frente
do poema. era novo:
a ingenuidade desfazia
os meus versos como
se fossem brinquedos
de criança. ainda
assim, quis a recordação.
ficar na imagem foi
uma forma de continuar
nesse presente.
é por isso que regresso
aqui, auxiliado pelo
olhar fotográfico,
para reviver as emoções.

*
se bem percebi o filme
a paixão quis sair da
sala quando se confrontou
com a amizade. tomou-a
por uma rival insuperável
quando, na verdade, nada
havia a temer. ao perceber
o equívoco, a própria
amizade foi atrás dela e, à
força de explicações, obrigou-a
a desfazer a decisão.
a paixão convocou beijos
e ficou para os aplausos
finais. pareceu ainda afirmar:
«regressarei num canal perto de si
para me exibir nos corpos
de outro homem, de outra mulher
na história que fica sempre
por contar.»


*
no fundo, as coisas
passaram-se assim: a
história, infeliz, vivia
só com a personagem
feminina. foi então que
as coisas aconteceram:
o homem, um pouco
trapalhão, encontrou-a.
fundiram-se num amor
à primeira vista. a dada
altura, decidiram
deixar de se ver mas
a história tinha outros
planos: declarou que seriam
felizes para sempre com
aquela segurança de quem
acredita, realmente, que a
vida termina na última
página.


*
beijavam-se como
se estivessem a inventar
o amor. por cima do
sofá, ao espelho, via-se
o futuro: uma porta
fechada, alguém
prostrado nesse mesmo
sofá, ó ironia!, a chorar
convulsivamente. mas,
como eles não se
aperceberam da cena,
o melhor é retirarmo-nos,
leitores, e deixar
espaço à ilusão.


Rui Tinoco, bracarense a viver no Porto, dispersou vários poemas e outros textos literários em diversas revistas materiais e eletrónicas. Em 2011 publicou o seu primeiro livro de poesia intitulado O Segundo Aceno. Mantém o blogue Ladrão de Torradas.