Apresentamos
hoje os outros quatro nomeados para o Prémio Literário Casino da Póvoa. Fique a
conhecer um excerto da obra dos poetas José Agostinho Baptista, Armando Silva
Carvalho, Luís Filipe Castro Mendes e Bernardo Pinto de Almeida.
José
Agostinho Baptista
Caminharei
pelo Vale da Sombra (Assírio & Alvim)
(…)Nos
tímpanos,
como um
acorde desmedido,
a cava
respiração dos desertos assola-te.
Contorces-te,
quando me aproximo,
e benditos
são os frutos do teu ventre, no oásis onde
amadurecem.
Mas não
temos tempo.
Envelhecemos,
vamos e
voltamos,
e ao irmos e
virmos, somos a errância dos pés, entregues
à sua
mecânica,
indiferentes
aos pesares,
desfalecendo,
retomando a marcha,
a estrada
tantas vezes percorrida por uns olhos abertos
que já não
vêem,
tão
habituados a reter nas suas órbitas as paisagens do
desalento.(…)
*
Armando
Silva Carvalho
De Amore
(Assírio & Alvim)
AINDA A
RAINHA DEPOIS DE MORTA
Arranca
corações, esse punho cruel
que vem
fustigando a história
dos amantes
e chega até aos púlpitos, tronos,
e matérias
de arte.
Na pedra
burilada, os anjos muito agudos
pecam por
desvelo.
Nas naves
ressoa o bramar enrolado em raiva
da realeza
sepulta:
eu amei-a
viva, vocês venerem-na morta.
Foi um punho
cruel.
Talvez
houvesse um sexo absoluto em tanto movimento
de ouro,
brocado,
soluços
ébrios de temor ou de outra natureza
mais
embevecida.
A história
neste caso é sedutora:
traz o poder
ao sol duns seios, à luz duma vagina,
abre a flor
dos sentidos, desfeita
a golpes de
espada,
de traição.
Aqui neste
frio erguido ao redor das naves
a matéria
humana
que percorre
viva a tarde histórica
tem pressa
de fugir
ao pesadelo:
o amor não
mata, ninguém o assassina,
é ele e só
ele que se expõe
já morto.
*
Luís Filipe
Castro Mendes
Lendas da
Índia (Dom Quixote)
AINDA A
POESIA
A poesia não
é feita por um nem por todos,
nem esteve
nunca na rua.
A poesia
está na aspereza das coisas contra nós,
tão mais
nítidas ao nosso olhar isento
quanto mais
doem no coração silencioso.
*
Bernardo
Pinto de Almeida
Negócios em
Ítaca (Relógio d’Água)
O SILÊNCIO
Ao que veio
de mim queria saudá-lo
como se
fosse um estrangeiro
e de entre o
meio das pedras
aparecendo-me,
rosto queimado de sol,
abraçá-lo e
perguntar-lhe sem medo
que estradas
havia percorrido. Sentando-me
com ele lado
a lado, como se de mim
não viesse,
saudando-o
como a um
irmão sob o sol tímido
de um verão
por florir, iria humilde
saber dele.
Pois o próximo deve encontrar
o que lhe é
próximo, o que celebra ir
junto do que
quer celebrar. Assim
com o olhar
quando na desmesura
de desejar a
um outro reconhece em
outro olhar
o idêntico, aquele que de sempre
o procurava.
E indo a ele, ao que de mim veio,
oferecer-lhe
onde pousar o corpo
sobre o linho,
deixá-lo no repouso adormecer,
guardar-lhe
o sono. Sabendo intimamente
que aos pés
da esfinge
nada jamais
é inútil.