Entrevista a João Bentes
|Luís Filipe
Cristóvão
Aos 32 anos,
depois de participação em duas antologias de poesia algarvia, João Bentes lança
o seu primeiro livro em nome próprio.
É a
oportunidade para encontrarmos a voz mais segura de um Algarve alternativo ao
dos prospetos turísticos e, por consequência, ao Algarve lírico que inunda
vários ramos da poesia portuguesa. João Bentes escolhe o título Odes para, num claro tom de ironia,
conjugar Ginsberg e vários grandes poetas da literatura portuguesa,
apresentar-nos, sem capas nem receios, um Algarve que vive e sobrevive, durante
o ano inteiro, independentemente das nossas sedes de veraneantes.
Desde sempre, na poesia de autores
algarvios, se pode assistir a uma tensão entre um tom mais lírico e um tom mais
popular. No teu livro, vais buscar o título Odes,
mas o teu texto é rugoso. Procuras uma síntese ou vês esta opção como uma
provocação?
Ainda que
distinga os textos, considero-os todos da mesma matéria, reflexo de uma ideia
determinada, reunidos sob o mesmo punho. No meu entendimento, uma ode é um texto que sublima, é uma
exaltação, é um canto, e eu creio que
atinjo esse lirismo em vários momentos ao longo do livro, apesar de recorrer a
esse tom mais popular. Mas escolho Odes também pela ironia, ou provocação
se preferires, que vem desse contraste entre o texto rugoso do real e o nome polido
e clássico do livro. É uma alusão a este mundo de aparências e simulações que
me inquieta bastante. Isto não é só p’ró
inglês ver.
A divulgação como autor esteve, desde o
início, ligada a grupos de promoção da literatura, como a A.R.C.A ou o
Sulscrito. Consideras importante a existência destes núcleos para se conseguir
uma afirmação de uma poesia que está longe do que pode ser visto como os
centros editoriais do país?
Para mim foi
muito importante, num certo momento, ligar-me a estruturas que me permitissem divulgar
o que ia escrevendo; não foi premeditado, mas acabou por acontecer. Há dez ou
doze anos atrás, andava eu e mais uns quantos, uma vez por semana, a ler poesia
e a beber vinho nas ruas da cidade velha de Faro. Esta foi uma primeira
aproximação, e é daí que vem a primeira publicação da minha geração, através da
A.R.C.A. O Sulscrito é uma consequência lógica, que permitiu ampliar uma vaga
criativa ligada à literatura aqui a sul, e aproximá-la do resto do país. É de
realçar o contacto com as pessoas que fui conhecendo, com quem partilhei algo,
e isso só foi possível graças a estas estruturas. Os apoios institucionais para
este tipo de projectos não abundam, e agora então nem se fala. Fazem um outdoor com umas meninas a dançar o
corridinho a dizer “Faro apoia a Cultura” e mantêm a ARCM – Faro, uma
associação com mais do que provas dadas nesta cidade em vinte e dois anos de
existência, com a corda no pescoço e uma ordem de despejo em tribunal… Por
sorte, projectos como o Sulscrito ou a 4Águas vivem da vontade e persistência
de alguns resistentes, e mesmo com recursos mínimos, acho que se criou uma raiz
que permite uma continuidade, e isso é deveras crucial para afirmar a criação
literária aqui do sul.
Neste teu livro há, claramente, um
investimento pessoal, dado o tom biográfico de muitas das composições.
Consegues separar o que é poesia e o que é vida?
Não muito, e
confesso que não invisto muito nesse sentido. Uma leva à outra. Se a minha vida
trespassa a minha poesia, a poesia infiltra-se na minha vida. Vejo isso como um
oroboro (creio que se escreve assim): uma serpente que se devora a si própria,
o princípio e o fim. Acho que tenho um verso algures que é “mas a lírica não
mata a fome”, que tem tanto do que é vida como do que pode ser a poesia.
Haverá também uma tentação a ler, nos
teus poemas, algumas influências de autores estrangeiros, ao nível do estilo.
Que leituras te levaram a esta forma de poema?
Não posso
negar que tenho Howl and Other Poems,
de Ginsberg, como referência. Não posso esquecer um poema de Antonio Orihuela,
poeta espanhol, do qual se me escapa o nome. Mas também me afecta bastante o
Opiarium ou a Ode Marítima. Sinceramente, sempre li mais autores portugueses.
Que dizer de um Ruy Belo torrencial ou um Herberto desconcertante? Que dizer da
agonia delirante de Sá‑Carneiro ou o Animal
Olhar de Ramos Rosa? João Lúcio, mesmo não sendo eu um profundo admirador
da sua poesia, inspira-me um poema (oh meu algarve…). O FMI de José Mário
Branco é absolutamente extraordinário, e coloco-o ao mesmo nível dos que
mencionei antes. E já agora, e porque não, António Aleixo. Para mim este é um assunto
pouco linear. No fundo é tudo um acumular de momentos e circunstâncias que me
tocam, e há coisas que deixam marcas mais profundas, e delas se alimenta o
ímpeto. Os poemas deste livro são essencialmente longos e repletos de imagens.
Para exprimirem o que pretendia, tinham que ser duros e explícitos, tinham que
ser arrojados. Tinham que ter o fulgor que é desta inquietação, que vem de ver
o mundo desta forma. Há ideias que não podem ser resumidas, e quando ganham a
sua própria força, têm que ser o tudo ou ser o nada. Quero dizer que há,
também, algo para além da leitura que me levou a esta forma.
O teu primeiro livro, agora editado, reúne poemas datados desde 2008. Depois desta estreia, como vês o passo seguinte na tua “carreira” de poeta?
Julgo que será difícil, a curto prazo, voltar a um registo como o do Odes. Foi um livro esgotante em alguns aspectos, e que me deixa a estranha sensação de que pouco mais se pode dizer. Por outro lado sinto que não dá para parar, e é inevitável que isto tenha um seguimento. Por isso espero, em breve, poder criar um suporte musical para alguns destes poemas. Será publicado, em Março ou Abril, um conto meu, o “Dois mil e coiso”, na nova colecção da 4Águas, que se chama “onda curta”. Tenho andado a reunir e a rever alguns textos que fui escrevendo em paralelo aos do Odes, e durante o último ano, a que chamo, no seu conjunto, “canções sem rede”, dos quais irei fazendo alguns apontamentos no blogue. São textos mais curtos, que buscam outra crueza, mas sem perder de vista a linha geral deste meu primeiro livro nem o apuro do escárnio. Tenho uma outra ideia para um poemário ainda em germinação, e um conto aguardando conclusão. E tudo o resto se verá.
O teu primeiro livro, agora editado, reúne poemas datados desde 2008. Depois desta estreia, como vês o passo seguinte na tua “carreira” de poeta?
Julgo que será difícil, a curto prazo, voltar a um registo como o do Odes. Foi um livro esgotante em alguns aspectos, e que me deixa a estranha sensação de que pouco mais se pode dizer. Por outro lado sinto que não dá para parar, e é inevitável que isto tenha um seguimento. Por isso espero, em breve, poder criar um suporte musical para alguns destes poemas. Será publicado, em Março ou Abril, um conto meu, o “Dois mil e coiso”, na nova colecção da 4Águas, que se chama “onda curta”. Tenho andado a reunir e a rever alguns textos que fui escrevendo em paralelo aos do Odes, e durante o último ano, a que chamo, no seu conjunto, “canções sem rede”, dos quais irei fazendo alguns apontamentos no blogue. São textos mais curtos, que buscam outra crueza, mas sem perder de vista a linha geral deste meu primeiro livro nem o apuro do escárnio. Tenho uma outra ideia para um poemário ainda em germinação, e um conto aguardando conclusão. E tudo o resto se verá.
Fotografia de Miguel Godinho