Entrevista a
Aurelino Costa
|Luís Filipe Cristóvão
Em semana de Correntes d’Escritas, decidimos procurar uma das
figuras emblemáticas deste encontro. Aurelino Costa é um autor da Póvoa de
Varzim, que desde o primeiro momento tem feito parte do programa do encontro,
funcionando, tantas vezes, como um um representante informal do poder que este evento
tem na cidade.
Nascido em 1956, Aurelino Costa é poeta e diseur, sendo que na
edição de 2013 voltará a estar nas Correntes para apresentar o seu novo livro, Domingo no Corpo, da Deriva Edições.
Procurando encontrar as origens deste encontro e as sensações que ele desperta
nas pessoas que mais intimamente o vivem, não será de estranhar, para quem
conhece Aurelino, que a entrevista rapidamente se transformou, ela própria, num
poema. Como sublinha o autor, a certo passo, “os encontros podem criar uma
clareira no mar”.
O que
significa, para um autor poveiro, a realização de um encontro como as Correntes
d’Escritas na cidade?
A Póvoa, como o Mar, é ponto de partida e chegada. Tal como o
Mar, a cidade tem correntes. Quando as correntes são de escrita, não se sabe
muito bem onde começou o ímpeto, conhecem-se essas vagas pelas emissões de
texto e suas recepções e é com esse material que a Onda resiste, ou não, à
depuração e à praia. Ou, no melhor dos casos, renova o seu êmbolo acrescentando
uma ou outra molécula. Sendo da Póvoa, o encontro in loco com Moléculas
permite-me a Viagem.
Que mudanças trouxe à cidade a
realização das Correntes?
As mudanças partiram do Interno. Respeitam a um dos maiores
vultos, como dinamizador cultural, dos últimos cinquenta anos na Póvoa: foi
Manuel Lopes. A "edilidade", com Vieira, Diamantino e Manuela,
deixou -se por ele iluminar, e erguendo a sigla "capital da cultura",
mexeu, sem dúvida, no estertor do vivido e a ebulição criou a mudança mental e
criativa, dando à cidade/povo, uma estima, sem precedentes.
Muita gente
que passa por aí fala do espírito das Correntes, como se o encontro tivesse
ganho uma alma que o ultrapassa. Como definirias essa sensação que toca todos
os convidados?
Os Encontros podem criar uma clareira no Mar, um ponto imprevisto,
um texto enunciado e não-anunciado. Tal depende sempre de quem está, uma vez
que cada autor só se pode representar a si mesmo e nem se lhe pode pedir,
sequer, que represente a sua escrita que, em muitos casos, constituiu uma
interrupção pessoal do modus vivendi.
As próprias Mesas que estruturam o acontecimento servirão, em alguns casos,
para a exposição de pensamentos diversos. A diversidade é também o munus da
escrita. Às vezes deflagra uma diferença: aí já há “espírito”, isto é: uma nova
molécula que é chama para um pavio que se pode prolongar ou simplesmente
extinguir como as cartas, agora emails, que só tinham um destinatário mas não
deixavam, em casos, de ser um “livro não publicado” ou, pelo menos, um livro
publicado apenas para um destinatário.
Estiveste sempre presente nas
edições do encontro, queres dizer-nos quais os momentos mais marcantes das
Correntes?
Falarei do meu momento mais marcante: Quanto subi "às
tábuas" do Auditório, na companhia de perto de uma dúzia de pescadeiras,
apregoadoras da "roda", com peixe fresco nas mãos e um "mar de
piano" saiu do corpo do Alberto Augusto, voando na sala a
"Lusitânia no bairro Latino 2"/ Ladainha das Lanchas”, do Nobre.
Desse momento, Mário Delgado Aparaín, rasgou o personagem (eu) que viria a
marcar o seu "Canto da Corvina Negra", editado anos depois.
As Correntes mudaram a vida de
alguém na Póvoa de Varzim?
Sim mudaram, a mudança é uma constante, quer queiramos quer não!
Pelo menos, o estar em palco dessas pescadeiras, garantiu-lhes uma auto-estima,
formidável, na garimpa da Vida: passaram a ser cúmplices da Arte. E, mais que
cúmplices, a serem Arte. Foram repostas na cidade, em que sempre foram
afincadamente belas. Lembro-lhes os abraços, a ternura, e seus olhares
arregalados. Sei que Corsino Fortes, chorou de emoção.
Este ano, vais também lançar um
novo livro. Queres falar-nos um pouco dele?
Já não publicava um livro desde 2005, o Na Terra de Genoveva. Desde essa altura, a presença do ímpeto gerou
em mim muitos textos que estiveram em poisio para ver se aguentavam. Alguns
morreram na praia porque tinham vindo de boleia nas Vagas, outros, aqueles que
publico em livro neste Domingo no Corpo
resistiram, julgo, à praia e terá de ser alguém com clínica – a analisar em
laboratório se neles se encontra alguma nova Molécula.