|Jorge Velhote
FERNANDA
GARRIDO: O BREVE LUGAR DAS SOMBRAS
É um lugar a mais a queda incerta
e o medo é o que dás a ver se a luz te fere o
olhar
e alucina como brancas são as palavras que
depositas
entre a reminiscência dos segredos e o breve
lugar das sombras
é uma doença que o sofrimento assinala
silencioso
uma máquina dormente que desprende
a fronteira do horror e mutila a desmesura
incessante que acumulas rudemente
é uma paragem onde se adensam sinais
crescem bússolas convergem fracturas
ou rompimentos a dureza ácida dos mortos
que devoram intermináveis a distância
é em abandono que o olhar se ausenta
e o corpo nos seus meandros se agiganta
– mão
que ergue a luz e seus vestígios
deslocando
espelhos delicadamente
é a esvair-se que se interrompe o escuro
em penumbra e o pólen diurno deflagra em cor
ou grafite que avança em espessura
o ruído amável a desabrigar a casa
é um enigma essa luz jacente fogo ou prece
incólume a queimar a boca intacta
escombros pomares ressequidos
o sílex da cinza que estende os nomes
é perverso o jogo da transparência e da
tristeza
que sobre os vidros se abate em lavra
incontida como se na penumbra uma gramática
de dor catalogasse inéditos rumores
é em sufoco e oculta vigilia a fuga
hesitante a crueldade do abandono ou espera
mensurando o insaciável – é uma luz ruindo sobre o futuro
em combustão
como lágrimas em lugares improváveis
é com a mão que perscrutas o lume inacabado
a maestria do traço brandamente translúcido
e na textura dos lábios vigias a âncora nítida
o cintilante labirinto do vento
aprisionado
é no olhar que afinas todas as palavras
e oscila o sal até à explosão impensável
e de súbito ergues arbustos e tapumes
e nas cicatrizes despes a mudez como a nudez
nos lençóis
é em
cada um que transportamos a morte
e reconstruímos a criança pura rasurando
a ternura incerta e as crateras milenares
da água da melancolia como ofício
é a alegria um epigrama absoluto e rouco
o fulgor do mundo adormecido nas vísceras um
inferno
uma toalha de cal e musgo como chão ou barco
um tanque medindo a sofreguidão do tempo
é a eternidade que se abriga quando interrompes
o vento
desenhas o gume da ruína ínfima a árvore que
resvala
na sua cor a folhagem do céu onde deus
acolhe a noite e murmura
é no silêncio e na febre que redimes
o enigma insuportável da luz
e afastas o esquecimento
Senhora
da Rocha, Agosto 2012