segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

IV - Guarany


|Joana Serrado


IV
GUARANY: Ao descobrir a Avenida, subindo-a ao ritmo da respiração, vi-o. Mesinhas solitárias esperavam por mim. Um empregado velho branquejante se arrastava balouçando o seu disco de metal. O café vazio, as paredes translúcidas – aqui escreverei o meu poema de amor. Mas a segunda vez que lá passei, armada de caneta e papel, o Guarany estava camuflado por jornais. Só o ferro dourado, por entre novidades atrasadas, era indício de ouro. Todas as outras vezes que se seguiram, quando me arrastava para outros cafés, o Guarany continuava fechado, sempre fechado, fechado para férias, fechado para descanso do pessoal, fechado indeterminadamente. Como seria possível? Esperava que os empregados se dirigissem para a porta, retirassem os jornais que cobriam a vitrina, e que tudo voltasse como dantes, por um dia! e que eu lá escrevesse o meu poema de amor. Passados dois anos, hoje mesmo, cambiaram o aviso: Por favor, não afixar cartazes. Agradecemos a sua compreensão. A gerência. Espreitei pelo papel (nunca o deveria!): tintas, as mesas desaparecidas, o balcão irreconhecível, o criado branquínio transformado em pó branco. Tintas. tenho medo. O meu poema em obras: A gerência agradece a compreensão.


In Guarany, 4águas, 2012.