|Joana Serrado
IV
GUARANY: Ao
descobrir a Avenida, subindo-a ao ritmo da respiração, vi-o. Mesinhas solitárias
esperavam por mim. Um empregado velho branquejante se arrastava balouçando o
seu disco de metal. O café vazio, as paredes translúcidas – aqui escreverei o meu poema de amor. Mas
a segunda vez que lá passei, armada de caneta e papel, o Guarany estava camuflado
por jornais. Só o ferro dourado, por entre novidades atrasadas, era indício de
ouro. Todas as outras vezes que se seguiram, quando me arrastava para outros cafés,
o Guarany continuava fechado, sempre fechado, fechado para férias, fechado para
descanso do pessoal, fechado indeterminadamente. Como seria possível? Esperava
que os empregados se dirigissem para a porta, retirassem os jornais que cobriam
a vitrina, e que tudo voltasse como dantes, por
um dia! e que eu lá escrevesse o meu poema de amor. Passados dois anos,
hoje mesmo, cambiaram o aviso: Por
favor, não afixar cartazes. Agradecemos a sua compreensão. A gerência. Espreitei
pelo papel (nunca o deveria!): tintas, as mesas desaparecidas, o balcão irreconhecível,
o criado branquínio transformado em pó branco. Tintas. tenho medo. O meu poema em obras: A gerência agradece a compreensão.
In Guarany, 4águas, 2012.