domingo, 20 de janeiro de 2013

Um ponto no mapa (ou talvez um poema)


Pequeno pseudo-ensaio vagamente descritivo da obra de João Luís Barreto Guimarães. 

|Alexandra Malheiro

Alain, comentando Válery, diz-nos que "todo o pensamento começa por um poema". Lembro-me disto sempre que leio João Luís Barreto Guimarães, ainda que um pouco ao contrário, acreditando que nele os pensamentos acabam tornando-se poemas. Poemas como pensamentos, como um apontamento que tiramos ao andar pela rua, ao observar. Como se estivéssemos a ler um livro e fizéssemos uma anotação na margem, um sublinhado, João Luís faz o mesmo com o que observa, com as mais comezinhas ocorrências quotidianas como o trilho de óleo que o carro deixa na garagem e faz depois prendê-las ao seu próprio pensamento, com frequência uma divagação sobre uma memória poética, alguma coisa que leu, um quadro de viu, uma cena de um filme. Tem sido assim em todos os seus livros, um jogo metonímico e de linguagem que começa nas cenas quotidianas mas que nos leva muitas vezes por uma via erudita, às vezes de menor compreensão para os menos viajados. Quando falo em viagem digo-o, também, de forma lata aproveitando a amplitude da palavra seja a viagem física que fazemos a outros lugares seja a viagem que os livros, a arte, enfim, a cultura nos proporciona.


João Luís Barreto Guimarães é um poeta viajado, erudito, não se coibindo de o mostrar naquilo que escreve, porém a fundamental ironia que anima toda a sua poesia passa precisamente por miscigenar essa erudição com os mais banais pormenores da nossa existência, aqui e ali salpicada também com a sua experiência como médico, cirurgião plástico – a doente polaca que talvez leia Wislawa Szymborska, a que procura alijar uma década da sua vida ou a que se vê amputada de metade da sua alma e com isso livre de perigo. É, enfim, a viagem ao nosso imo, ao pequeno e ao interior. Assim foi “A parte pelo todo” o livro que antecedeu este que agora é dado à estampa, um livro frágil como um cristal, assombrado pela morte (do Pai) mas límpido na forma, exorcismo de uma dor singular, a sua, que é exorcismo colectivo, de todos quantos de nós já sofremos a perda de alguém. Assim foi, também, em toda a obra, antes coligida já pela Quetzal, num volume de Poesia Reunida.

Você está aqui é o reencontro com a luz, a luz da viagem, da partida e da chegada e, sempre, a contínua observação do que nos rodeia, imersa numa finíssima ironia, o nosso eterno retorno ao “carrossel dos dias” enquanto aguardamos que seja a nossa mala.


João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto em junho de 1967. Publicou em 1989 o primeiro  livro de poemas, Há violinos na Tribo, a que se seguiram Rua Trinta e Um de Fevereiro (1991), Este Lado para Cima (1994), Lugares Comuns (2000), 3 (poesia 1987-1994) (2001), Rés-do-Chão (2003), Luz Última (2006) e A Parte pelo Todo (2009). Em 2011, a Quetzal publicou toda a sua obra poética num volume intitulado Poesia Reunida. Você está aqui, do qual faremos a pré-publicação de alguns poemas, é o seu oitavo livro de inéditos.