Recensão do livro Maria dos Canos Serrados de Ricardo Adolfo
|Luís Filipe Cristóvão
Ricardo
Adolfo já havia mostrado não ter par na literatura que é publicada em Portugal.
Primeiro que tudo, habita um território demasiado perigoso, onde a maioria dos
editores não costuma demonstrar coragem para entrar. Depois, porque a
literatura suburbana que nós conhecíamos, não se escrevia assim.
Talvez nos
primeiros livros de António Lobo Antunes ou em algumas das suas crónicas
encontrássemos personagens capazes de entrar nos livros de Ricardo Adolfo. Mas
enquanto a linguagem de Lobo Antunes é desenhada para a harmonia, a de Adolfo é
montada para se enquadrar com a realidade. Maria
dos Canos Serrados torna-se assim um romance à procura dos seus leitores,
grande parte dos quais, acredito, não frequentam livrarias.
Mas passemos
da forma ao conteúdo. Dentro deste livro encontramos um casal disfuncional,
namorados presos na distância, ela uma mulher de forte personalidade presa na
paixão pelo seu “Velhinho”, um gigolo de serviço no Algarve. Maria é uma líder
na empresa em decadência onde trabalha, a líder do seu grupo de amigas em queda
livre, o sonho dos homens com quem se cruza (o senhorio, de quem foge, e o
Nandos, de quem acabará por conseguir a arma que lhe dá nome).
Todo o
romance é uma onda crescente de tensão –
a distância cada vez mais mal aceite, o
desemprego eminente, a solução encontrada fora-da-lei – que sentimos pronto a
rebentar no próximo capítulo. Mas o namorado, finalmente, aparece, a empresa
sobrevive nas mãos do sindicato, o fora-da-lei parece, enfim, nomeado para uma
justiça divina. Mas Maria dos Canos
Serrados não nos oferece salvação. Quando a paz suburbana se prepara para
reinar, finalmente rebenta a bomba na narrativa.
O gatilho é
disparado na cama de Maria – onde estão dois, mas ela não está. Então o texto
modifica-se, deixa de lado a construção da tensão e torna-se uma correria para
um final inesperado. Na guerra de sexos, ganham as mulheres, mas esta não é,
seguramente, uma narrativa de libertação feminina.
Num livro
pouco aconselhado para menores de idade, pessoas suscetíveis, almas chorosas e gente
que prefere viver afastada do pecado, Ricardo Adolfo dispara em várias direções
e sai vencedor. Depois de Mizé e de Maria dos Canos Serrados, o português da
linha de Sintra tem um representante literário, o português das ruas ganha
sentido num livro, a edição portuguesa pode, enfim, dispensar a gravata. E não
se pense que é fácil conseguir isto estando armado – experimente aguentar em pé
um coice de uma Baikal.
Maria dos Canos Serrados
Ricardo
Adolfo
Alfaguara