quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Antologias

Recensão à antologia de poesia Mixtape

|Manuel A. Domingos



Algumas antologias poéticas têm o nobre propósito de divulgar os poetas que nelas vêm contidos. Outras têm um propósito meramente académico. Outras, ainda, um propósito pedagógico. E existem aquelas que têm o propósito de estabelecer uma espécie de cânone. Há antologias poéticas que respeitam um tema. Lembro-me, por exemplo, de A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX (Assírio & Alvim, 2009), com selecção e prefácio de Manuel de Freitas. Estas são, porventura, as mais difíceis de organizar e as mais difíceis de defender, pois, como bem refere Manuel de Freitas: «é desde logo garantido que ela não obterá nem o consenso dos contemporâneos nem o favor da «eternidade» (…) [e] dir-se-ia que as antologias têm a incómoda particularidade de envelhecer ainda mais depressa» (p. 9). Por seu lado, Maria Alberta Menéres e E.M. de Melo e Castro, na Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa (Livraria Morais Editora, 1961), referem que «organizar Antologias reveste-se de particular delicadeza» (p. XIII), o que desde logo parece ser a característica mais óbvia, principalmente porque devemos ter sempre em conta o carácter subjectivo das mesmas, que deriva, em boa parte, do gosto pessoal de quem antologia.
A editora do lado esquerdo decidiu arriscar uma antologia de nome Mixtape (do lado esquerdo, 2013). Não existe qualquer referência aos organizadores da antologia, mas parte-se do pressuposto que a mesma é da responsabilidade de Maria Sousa e Nuno Abrantes (editores). O tema comum, ou melhor, o tema englobante, é a música. Na epígrafe podemos ler: «É difícil fazer uma boa cassete de compilação» (Nick Hornby). O mesmo pode ser dito sobre fazer uma boa antologia.
Não deve ter sido tarefa fácil, seleccionar e reunir vinte nomes no mesmo livro[1] — apesar de o tema ter sido respeitado por todos —, quando esta selecção tem nela vozes poéticas tão díspares. Este facto leva a um outro: os poemas são desiguais, o que provoca uma antologia desconcertante em desequilíbrio (risco este que os antologiadores previram seguramente), isto é, uma feliz antologia provocatória. Algumas falhas na revisão final também podem contribuir para algum ruído de fundo, o que, ao contrário de hoje por questões saudosistas, eram então sublinhados a vermelho por todos aqueles que gravavam cassetes ou faziam mixtapes.
No entanto, é de louvar a aposta duma editora numa antologia, que a caminho do quinto título em poucos meses, divulga a poesia que é feita neste nosso país. Tudo isto sabendo, a priori, o risco que correm.

AA.VV., Mixtape, posfácio de Francisco Amaral, Coimbra: do lado esquerdo, 2013, 77 páginas.




[1] Ana Caeiro, André Tomé, Bruno Béu, Bruno Sousa Villar, Carlos Veríssimo, Daniel Francoy, Hugo Milhanas Machado, Inês Fonseca Santos, Ismar Tirelli Neto, Joana Jacinto, Luís Filipe Cristóvão, Margarida Ferra, Maria Sousa, Marília Garcia, Miguel Pires Cabral, Pedro S. Martins, Pedro Santo Tirso, Raquel Nobre Guerra, Ricardo Marques, Tatiana Faia