Entrevista a João Anzanello Carrascoza
| Eliana Castro
Cinto de segurança é acessório
inútil para quem decide viajar na escrita emocional de João Anzanello
Carrascoza. Também é preciso avisar (pra quem nunca leu seus livros) que ele
jamais conduz seus textos pelas autoestradas, em pistas expressas. Prefere
levar o leitor para passear por estradas vicinais, viscerais. Foi assim – só
para citar algumas viagens - em O Vaso
Azul, Espinhos e Alfinetes, Contos Mínimos, Aquela Água Toda ... e é exatamente isso que ele faz agora, no
romance Dos 7 aos 40, recém-lançado
pela editora Cosac Naify. Carrascoza é um hábil condutor, com prêmios
importantes. Entre eles, o Jabuti (O vaso
Azul, que recebeu em 2007, e este ano, com Aquela Água Toda, que está entre os finalistas) e o Portugal
Telecom 2013 (também com Aquela Água Toda
na semifinal).
Mas não é exatamente por causa da sua reconhecida fama de bom condutor que
o cinto de segurança é dispensável. Na verdade, o correto seria dizer que, com
ele, usar o acessório é inútil. Simplesmente porque Carroscoza dirige sua
escrita de maneira tão intensa que não há como se proteger de acidentes de
percurso: quando nos damos conta, saímos da pista em que estávamos, invadimos o
acostamento e, de repente, pow! passamos a circular dentro de nossas próprias
veias, até entrarmos bem no fundo do coração, em um lugar que não é mais só dele,
mas nosso e dele, entrelaçado como interseções rodoviárias.
“Escrevo para construir um mundo no qual as coisas poderiam ter sido e
também para partilhar experiências e sentimentos. Quando o que me toca, toca o
leitor, entro em harmonia com o outro. Escrever é buscar a si mesmo para encontrar
o outro. Minha escrita é comovida”, confessa.
Quadros
de Sentimentos
O livro Dos 7 aos 40 é a
perfeita tradução desse desejo do autor, de estar em harmonia e contaminar o
leitor com sua emoção – e ainda conta com uma curiosa estrutura. A história é
contada em dois tempos – o do menino e do homem. Ligeiramente ou totalmente
autobiográfico, não importa. O que vale é a estrada: em uma pista, as histórias
do menino, narradas em 1ª pessoa; na outra, as histórias do adulto, contadas em
3ª pessoa. “A vida da gente tem que ter um retrovisor. Estamos indo pra frente,
mas temos que olhar um pouco para trás para entendermos todo o percurso que
fizemos, pra depois seguir adiante”, afirma.
O romance começa com a narração do menino, que mora em Cravinhos,
pequena cidade do interior do Estado de São Paulo, no Brasil [onde Carrascoza nasceu e morou por anos].
Na sequência, pula para a do adulto quarentão, que abandonou o interior e vive
em São Paulo, capital do estado e uma das maiores cidades do mundo. [Carrascoza vive em São Paulo, formou-se em
publicidade e é professor na ESPM, Escola Superior de Publicidade e Propaganda]
Essas duas vias, dos sete aos quarenta, são cruzadas e suas diferentes visões, alternadas
em capítulos ao longo do romance. “O livro não está amarrado a uma linha do
tempo. Salta de um episódio para outro. Porque a vida também não tem amarração:
dá pequenos saltos. Os capítulos são espelhados. São como quadros de sentimentos”,
conta.
A diagramação do romance reforça isso, ao dispor tudo o que é narrado
pelo menino na parte superior da página, onde o texto aparece blocado, e,
em cada capítulo, faz referência a uma descoberta: morte, tristeza, namoro...
Já a voz adulta está disposta na parte de inferior das páginas e surge
desalinhado. “Quando garoto, a gente está na fase em que nomeia as coisas à
nossa volta e os sentimentos. As pessoas têm nome e optei pelo texto blocado
porque, no romance, a sua história desse menino já foi escrita”, explica. “Na
fase adulta, você tem a consciência de que é apenas mais um ser”. Para essa
parte do livro, ninguém tem nome próprio. A ideia é falar de um universo emocional
que, de um modo ou de outro, está dentro de cada um. O texto desalinhado
reforça o tempo presente, em que as coisas ainda estão acontecendo, sem
sabermos, ao certo, como vão terminar.
Inspirações
“Aos sete anos, estamos
começando a ler as palavras e o mundo. Aos quarenta, já temos uma história
escrita, uma vida social. O mundo tá te olhando”, observa Carrascoza, que se
inspirou em Vidas Secas, de Gaciliano
Ramos. “Graciliano criou um conjunto de
histórias, que Antonio Cândido [crítico
literário brasileiro] chama de rosácea, porque cada capítulo é uma pétala.
E, em cada história, Graciliano dá elementos para o leitor compor a sua
história. Foi o que fiz”, explica.
Dos 7 aos 40 se beneficia bastante da direção habilidosa de
Carrascoza, sem dúvida, um dos melhores
contistas brasileiros. Embora seja um romance, pode ser lido de diversas
maneiras. A primeira leitura possível é da forma como o autor organizou a
narrativa. Mas também podemos ler o mesmo livro de modo desordenado, porque
cada capítulo é um conto – e dos bons. Podemos, ainda, ler apenas a história do
menino ou do adulto, como se cada uma fosse um romance separado. E o mais
interessante é que, independentemente do modo que o leitor decida explorar as
estradas por onde Carrascoza nos leva, o romance não se perde no caminho. E
sempre nos conduz, por meio da prosa poética do autor, para o fundo do coração.