Recensão à antologia de poesia Mixtape
Algumas antologias poéticas têm o nobre propósito
de divulgar os poetas que nelas vêm contidos. Outras têm um propósito meramente
académico. Outras, ainda, um propósito pedagógico. E existem aquelas que têm o
propósito de estabelecer uma espécie de cânone. Há antologias poéticas que
respeitam um tema. Lembro-me, por exemplo, de A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX (Assírio
& Alvim, 2009), com selecção e prefácio de Manuel de Freitas. Estas são,
porventura, as mais difíceis de organizar e as mais difíceis de defender, pois,
como bem refere Manuel de Freitas: «é desde logo garantido que ela não obterá
nem o consenso dos contemporâneos nem o favor da «eternidade» (…) [e] dir-se-ia
que as antologias têm a incómoda particularidade de envelhecer ainda mais
depressa» (p. 9). Por seu lado, Maria Alberta Menéres e E.M. de Melo e Castro,
na Antologia da Novíssima Poesia
Portuguesa (Livraria Morais Editora, 1961), referem que «organizar
Antologias reveste-se de particular delicadeza» (p. XIII), o que desde logo
parece ser a característica mais óbvia, principalmente porque devemos ter
sempre em conta o carácter subjectivo das mesmas, que deriva, em boa parte, do
gosto pessoal de quem antologia.
A editora do
lado esquerdo decidiu arriscar uma antologia de nome Mixtape (do lado esquerdo, 2013). Não existe qualquer referência
aos organizadores da antologia, mas parte-se do pressuposto que a mesma é da
responsabilidade de Maria Sousa e Nuno Abrantes (editores). O tema comum, ou
melhor, o tema englobante, é a música. Na epígrafe podemos ler: «É difícil
fazer uma boa cassete de compilação» (Nick Hornby). O mesmo pode ser dito sobre
fazer uma boa antologia.
Não deve ter sido tarefa fácil, seleccionar e reunir
vinte nomes no mesmo livro[1] — apesar de o tema ter
sido respeitado por todos —, quando esta selecção tem nela vozes poéticas tão
díspares. Este facto leva a um outro: os poemas são desiguais, o que provoca
uma antologia desconcertante em desequilíbrio (risco este que os antologiadores
previram seguramente), isto é, uma feliz antologia provocatória. Algumas falhas
na revisão final também podem contribuir para algum ruído de fundo, o que, ao
contrário de hoje por questões saudosistas, eram então sublinhados a vermelho por
todos aqueles que gravavam cassetes ou faziam mixtapes.
No entanto, é de louvar a aposta duma editora numa
antologia, que a caminho do quinto título em poucos meses, divulga a poesia que
é feita neste nosso país. Tudo isto sabendo, a priori, o risco que correm.
AA.VV., Mixtape, posfácio de Francisco Amaral, Coimbra: do
lado esquerdo, 2013, 77 páginas.
[1] Ana Caeiro, André Tomé, Bruno Béu,
Bruno Sousa Villar, Carlos Veríssimo, Daniel Francoy, Hugo Milhanas Machado,
Inês Fonseca Santos, Ismar Tirelli Neto, Joana Jacinto, Luís Filipe Cristóvão,
Margarida Ferra, Maria Sousa, Marília Garcia, Miguel Pires Cabral, Pedro S.
Martins, Pedro Santo Tirso, Raquel Nobre Guerra, Ricardo Marques, Tatiana Faia