Recensão do livro Alto. de António Quadros
Ferro
|Manuel A. Domingos
Falar de novas vozes e de nova-poesia e de novíssimos é chão que já deu
uvas. Em primeiro lugar, e recorrendo a uma frase feita, já nada é novo, pois
tudo foi inventado. Em segundo lugar, tivemos, nos últimos anos, estreias
literárias em que o autor já não era novo (em idade), nem a sua poesia nova (em
relação ao cânone): lembro, por exemplo, os nomes de Nuno Dempster e Soledade
Santos. Mais dúbio é falar actualmente, e situando-nos apenas no meio
literário, em geração. O que caracteriza afinal uma geração? O ano de
nascimento? A década? O ano da estreia literária? As afinidades com este ou
aquele grupo (que os movimentos há muito se perderam no tempo)? A questão é
que, na realidade, não existe uma geração; existe, antes, a malta. É costume
ouvir dizer “a malta da Averno” (e por acréscimo “a malta da Telhados de Vidro”), a “malta da Língua
Morta” (e por acréscimo “a malta da Criatura”),
a “malta da Deriva”, a “malta da Artefacto”, a “malta da Golpe D’Asa”, a “malta da 4águas”, a “malta da Sítio”, a malta para aqui e a malta para ali. Depois, há os outros.
Assim, e tento em conta o que foi dito anteriormente, torna-se difícil
situar António Quadros Ferro (1983). E, daí, talvez não. Uma coisa é certa:
António Quadros Ferro tem sido uma presença discreta no actual panorama da
poesia escrita em Portugal. Talvez o facto de o autor ter optado por tiragens
reduzidas dos seus livros (em edição de autor, bem como no interessante
colectivo Páreas Párias), seja justificação. A sua estreia literária deu-se com
Um pouco de morte (Edição de autor,
2009). Recentemente, foi publicado Alto.
(Páreas Párias, 2012), que diverge – em todos os sentidos – do primeiro volume
de poemas. Se em Um pouco de morte
António Quadros Ferro opta por um discurso mais prosaico (mas sem cair nas armadilhas
que esse mesmo prosaísmo muitas vezes oferece), com poemas perto do quotidiano,
em Alto. a economia das palavras é
evidente, o quotidiano surge transfigurado, menos literal, as metáforas e as
imagens ocupam um lugar privilegiado e preponderante no poema. Não deixa de ser
curioso que, no volume de estreia, o título é pedido emprestado a Joaquim
Manuel Magalhães; em Alto. a epígrafe
é de Gastão Cruz.
Alto. é composto por um
conjunto de dezanove poemas, alguns deles não excedendo os dois versos. É aqui,
na economia das palavras, que está o ponto forte deste livro de António Quadros
Ferro. Poucos são, actualmente, os poetas que conseguem gerar toda uma
cosmogonia em apenas dois versos: «À noite há um texto que se inclina até ao
tecto/E que se alastra pela boca em todos os objectos engolidos.» (p. 2). No
entanto, é o poema inicial que dá o mote às intenções do autor: «Há no alto do
poema a determinação/de uma ideia. Uma ascensão/que ama em queda.//E até a
morte tem de ser estimada/quando o silêncio sobe na obra.» (p. 1). A Morte –
que vigia os versos do livro anterior – continua a ser uma presença constante:
«Havia lágrimas, juras e rosas./Visto de cima, o luto, caía do céu.» (p. 3).
Ela aparece como afirmação de uma crença: «nenhum mar convulso ganha a transparência
do horizonte/e nos espera a todos no cume do céu» (p. 4); mas também como
dúvida: «Se subirmos como fumo/Noutra altura seremos a prece da chuva?» (p. 5).
Não deixa de ser um dado curioso que estes dois poemas surjam um a seguir ao
outro. Podemos afirmar que o poeta se movimenta entre estes dois polos: crença
e dúvida.
António Quadros Ferro pratica em Alto.
aquilo que ele próprio designa de «abstração sem lirismo» (p. 15),
procurando ir ao osso, ao nervo, deixando no poema aquilo que só ao poema pertence:
«Era tudo um verso/teoricamente no alto/em baixo havia pétalas prateadas/que o
texto arrancou às raízes.» (p. 19).
António Quadros Ferro
Alto.
Lisboa: Páreas Párias
Novembro 2012
19 pp.