quinta-feira, 22 de maio de 2014

Tento adormecer

|Tomás Gomes

 Tento adormecer. Aguardo inquietamente pela sonolência enquanto me reviro nos lençóis. Desisto, puxo-os para baixo e tento apanhar um pouco de ar fresco. Assumo a minha fraca posição face ao meu cérebro. Cedo à tentação e penso. É notório que ele quer que eu pense. Olho à minha volta. Está escuro. Vejo tanto e tão pouco.
                És a primeira imagem, lembrança que me ocorre, é inevitável. Surge a tua imagem desalinhada. Surge em mim todo um algo igualmente desalinhado que despoleta algo em mim. O amor domina-me. A partir deste momento perdi a qualidade que nos distingue dos animais, deixei de ser racional. Imagino-te ao meu lado. Nua. Tão tu, que mesmo em frente ao espelho dificilmente te reconhecerias perante tanta pureza, tanto sentimento. Constrói-se toda uma imagem mental: os teus olhos na minha direcção, o teu corpo sobre o meu. A tua pele, fria. A tua pele fria. Beijo-te, já perdido em ti. Deixando de tentar perceber o “nós” deixando de tentar perceber tudo. Passo para um mundo à parte. Só deus sabe o quanto amo esse mundo em que tenho vivido tão grande parte da minha vida desde que olhei com olhos de ver esses teus olhos que deviam de condenar quem te olha com olhos de observar. Imagino eu e tu, um só. Imagino tu a saíres de cima de mim, a regressares ao meu lado, a colocares o teu braço sobre o meu peito e a simplesmente adormeceres. Estou apaixonado.
                De repente desapareces. O pânico domina-me. Finalmente apercebo-me de que adormeci, acalmo-me. Deixo-me sonhar, tinha tantas saudades de sonhar. Sonho contigo, e deixo-me levar, apenas levar. Que a minha alma se eleve acima do meu corpo, que abandone esta ataraxia que me domina de forma sublime, que me entristece o corpo, que me entope as veias e fere o coração. Que se eleve acima de tudo, que te leve com ela. Que fiques comigo, não para sempre, mas durante o maior tempo possível em que ambos sejamos felizes.

                Morri.