sábado, 25 de maio de 2013

Proibido Fumar

|Luís Filipe Cristóvão


O médico, diga trinta e três, trinta e três, eu a olhar fixamente para o esqueleto guardado a um canto do consultório, sem conseguir respirar, quanto mais dizer alguma coisa, um esqueleto branco e luzidio, com os ossinhos todos no lugar certo, inquebráveis como os brinquedos dos cães e sem pó como a sala sempre tão arrumadinha da Marlene, o médico, trinta e três, e eu a pensar outra vez na Marlene, já sem ouvir nada, sem conseguir dizer nada, sem pensar, completamente, sem pensar, a Marlene, há quanto tempo eu não fodo a Marlene, há quanto tempo não a oiço dizer, lambe-me cabrito, há quanto tempo não a vejo a passear a mini-saia pelo supermercado, há quanto tempo, Marlene, não fazemos amor no sofá da tua sala, o médico, trinta e três, caraças, trinta e três, e eu a explodir num ataque de tosse convulsiva.

   O senhor tem que ter cuidado consigo, muito cuidadinho, já viu em que estado está este exame aos pulmões, o senhor não tem vergonha, e eu não, não tenho vergonha, sim, confesso, três maços por dia, três macinhos, gigante, há mais de trinta anos que fumo gigante, e não é agora que os vou largar, doutor, eu preciso tanto deles, fazem-me tanta companhia, logo quando acordo, sozinho na cama, um cigarrinho, para acalmar a tosse e começar bem o dia, e depois aquele stress todo de andar sempre de um lado para o outro, a carregar caixas e caixas de bebidas, aquilo é carregar, voltar ao camião, acender cigarro, mandá-lo fora quando paro, carregar outra vez, o doutor acha que isto é vida, tem que ser o cigarrinho, doutor, tem que ser, pelo dia todo, só três macinhos, só três, que eu agora até deixei de fumar à noite.

   Desde que a Manuela e o puto saíram lá de casa que me andava a fazer espécie não haver nada para fazer depois de jantar, depois ter ido ao café espreitar a bola, ouvir a conversa da malta, um gajo volta para casa e não há nada, só o cigarrinho e depois?, até a Marlene me deixou de ligar, olhe, o puto deixou o computador lá em casa, sabe, o computador, e eu pus-me a experimentar aquilo, está a ver, internet, quem diria que eu me punha na internet, está a ver, mas eu até sou todo pintas e invento umas conversas giras, sabe, é verdade, doutor, umas conversas para aqui, outras para ali, digo que sou inventor, artista, escritor, doutor, está a ver, pus-me a dizer a uma gaja que era escritor e tretas, e agora não é que ela quer que eu escreva um romance, pá, um romance, não deve ser brincadeira, mas eu sou assim todo pintas, e pus-me a escrever, doutor, é verdade, invento umas coisas e assim, e lá vai saindo, doutor, por isso peço desculpa pelo trinta e três, peço desculpa pela tosse, mas os três macinhos não me os tira, que eu só deixo de fumar quando escrevo o romance.