Pigmentos intravenosos
resposta a um poeta
geometricamente branco
sem paredes e vários rostos
aumentando as mãos
inacessíveis
telhados por cima e eu
corpo incendiado a engolir o medo
quadrado de pó
e sem que ninguém me ouça
atrás da porta.
*
Necrópsia e outros demersais
Regressamos à terra e não é vã
a procura do amor e o seu súbito golpe:
a noite e a cabeça deitadas sobre o gatilho
testemunham outros visitantes
pássaros, peixes e abismos
sem olhos
a apontar fantasias e na hora máxima
desalinham, incendiando o verde
épico de grandes planos
no movimento bastião
rumo ao Oriente
(do ponto de vista da Natureza!)
*
Partitas ou Miserere Mei
Adagio
O que é a verdade senão
adesão do corpo ao precipício.
O mesmo é dizer:
o luto do espírito pela realidade.
Fuga
Desaprendemos o que é a vida
ao ensurdecer para Deus.
Recostemos a cabeça por cima dos ombros
Sem lamentos de não ter tido tempo.
Presto
O crime não desaparece do mundo
É o jejum da Vida.
Apanhemos o primeiro pelo cachaço
E ao segundo congracemo-lo
sem esmolas.
SOFIA A. CARVALHO
Licenciada em Filosofia [UCP, Lisboa, 2003] Mestre em Estética e Filosofia da Arte [FLUL-UL 2008]. Publica estudos e ensaios, sobretudo, nas áreas da filosofia e da literatura, linha de investigação exegética do Pensamento Português dos séculos XIX e XX. Colabora em jornais e publicações, participando em colóquios e encontros sobre a temática do pensamento e cultura portugueses.