A falta de memória política é um compasso atroz no desenvolvimento de qualquer nação.
Acompanhar o que se tem escrito e dito sobre José Sócrates nesta última aparição que tem como desculpa um livro sobre tortura, é sentir que de facto há uma transversalidade amnésica que delineia todos os quadrantes da querida portugalidade. Pior do que isso. Há neste linguarejar quotidiano um terrível desprezo pela profundidade. Hoje em dia as manchetes desaguam em debates televisivos que por sua vez vestem os comentários domingueiros dos ex-futuros políticos, também eles actores deste circo. Inventam-se discursos, assumem-se culpados e andamos a viver o presente político tendo José Sócrates como personagem fulcral em todas as frentes. O que não é novo, como sabemos. Sócrates é, de facto, um animal político, uma personagem de amores e ódios e provocador de inquietações desmedidas, mas assumi-lo como único culpado do estado do país actualmente supera a infâmia. Não vou entrar no porquê ou no porque não. Já enfastia o que se tem dito e devia ser um dever cívico assumirmos a tal memória política e sermos obrigados a saber na ponta da língua a história que nos desenha a todos.
Vivemos cada vez mais isolados na absorção do imediato, perdemos a curiosidade pelo fundo do poço, pelos bastidores, pelo que vem de dentro. Somos filhos de uma superficialidade que nos impede de agarrar na informação e fazer qualquer coisa com ela. Bebemos os soudbytes que os jornais reproduzem, somos construção do que os alinhamentos editoriais nos impõe e vamos, lenta e repetidamente, construindo a nossa realidade à luz de qualquer coisa que nem nome tem.
Nos entretantos, um espaço imenso para o que pode ser uma boa assessoria política. Nos entretantos, um espaço imenso para albergar livros-tese, promover a heróis quem já dissemos odiar e reeleger os Cavacos desta vida.
As urnas são o mais cruel reflexo da amnésia política de que somos dotados. E tudo isto daria um excelente espectáculo de entretenimento, não fosse o terrível facto de nos atirar a todos para o horizonte de coisa nenhuma.