terça-feira, 22 de abril de 2014

Resumo e objetivos da estória

|Maíra Matthes

Essa estória é sobre a superfície escura do mar e o reflexo branco que oscila sobre essa mesma superfície. Como eles são uma e mesma coisa, essa estória é sobre a superfície do mar que é, ora escura, ora reflexo branco. Essa estória é sobre a simplicidade. É sobre algo como: um jarro sobre a mesa. Ela visa retratar a impressão de plenitude e vazio que podem tomar conta de alguém se, por ventura, este alguém se deparar com o mar, numa noite, provavelmente sozinho. A pretensão dessa estória é fazer o leitor se sentir literalmente sozinho, rodeado pela noite e diante superfícies escuras com reflexos brancos. É fazer com que o leitor consiga ver na imagem do mar a imagem de:

um jarro sobre a mesa.

O leitor vai sentir TUDO. Inicialmente o narrador divagará (por aproximadamente uma página e meia) sobre a natureza do PLENO. O narrador parte do pressuposto de que a visão das superfícies escuras com reflexos brancos remete à ideia de plenitude e pretenderá convencer o leitor disso evocando lembranças sobre superfícies, solidão e jarros. Em seguida o narrador afirmará que TUDO não é TUDO senão englobar dentro de si o VAZIO. O PLENO pode não ser o VAZIO, mas o TUDO para ser TUDO precisa ter TUDO MESMO dentro de si, e isso inclui o VAZIO. Então, aproximadamente mais uma página e meia será desenvolvida sobre a natureza do VAZIO.

Mas eis que, de repente (na estória) começa a chover. E os pingos não são poéticos, eles são a antipoética batendo nas costas do leitor. A chuva funcionará como quebra narrativa e terá a função de trazer a “experiência do cotidiano” para o interior do texto. O objetivo desse corte é fazer o leitor se sentir “começando a ficar molhado do lado de pessoas alegres que conversam entre si sem ao menos desconfiar que aquele mar diante de si poderia ser comparado a um jarro sobre a mesa.” [extrato p.4]. Caso o pacto ficcional esteja funcionando, o leitor, nesse momento, se sentirá tremendamente ofendido. Percebam: ele terá sido lançado dos altos píncaros da especulação sobre o PLENO e o VAZIO para a vulgar condição de se sentir “começando a ficar molhado.” Ele terá, então, vontade de cair em alto mar e poderá comparar essa imagem com a de quebrar o vaso que estava em cima da mesa.  E a estória vai acabar assim, com a palavra “desespero” estranhamente flutuando no meio da última frase.


Ps. É importante ressaltar que o término ideal da estória é fora-textual, isto é, a estória apenas terminaria verdadeiramente se e somente se o leitor tentasse suicídio por afogamento ou lesões corporais graves oriundas de profundos cortes de vidros tipo ‘vidros de jarro’. Caso isso não ocorra, não se pode dizer com toda certeza que a estória teve um fim.