Chegou a Prima, a Vera. Fidalga, a dita Prima, a Vera, que vinha anunciando-se arreganhando os dentes, quando chegou deveras desatou a chover-nos no pêlo e fria como um diabo fugido do inferno. Não há paciência para tanto inverno, sinceramente. Uma pessoa senta-se no café para escrever a cronicazinha a anunciar flores, nardos bravios, o canto coral dos passarinhos, prestes a evocar um sem número de benfazejas virtudes primaveris e é isto, uma estação que mais parece um apeadeiro ao abandono, esta sensaboria de chuva a bater no vidro e mãos a esfregarem-se em aquecimento, a arrefecerem a chávena mais do que esta as consegue aquecer. É claro que, perante estes desmandos climatéricos, a crónica refreia-se, titubeia, atabalhoa-se, atrapalha-se. Tropeça na própria ideia e vê-se obrigada a desviar na direcção do clima, afastando-se do assunto que na verdade trazia engatilhado para molestar vocências.
Assim a ver a chuva a cair de encontro ao vidro, num cinza escuro de borrasca, até perco a vontade de vos contar ao que vinha. Dá-se o caso que se acabou de dar à estampa um livro da minha autoria, de seu nome “Doença Crónica”. Pela primeira vez publico prosa e, sendo esta prosa um conjunto de crónicas, tão inócuas e insípidas como esta que agora lêdes, onde juntei ao baralho as que neste espaço da Revista Literária Sítio têm vindo a ser publicadas, acho curial da minha parte, face aos leitores que aqui me seguem, dar-vos conta disso. É que bem vistas as coisas, se a Primavera tivesse entrado como soía, abrindo as almas aos delírios do amor e da hormona à solta, nem me atreveria a importunar-vos com semelhantes anúncios ao recato e ao recolhimento, mas com esta invernia a arrastar-se por Abril adentro – águas mil – como promete o provérbio, nunca se sabe se a utilidade que o dito volume não possa vir a ter, seja a aquecer-vos junto à lareira enquanto degustam um mazagran, seja, caso o frio continue, como acendalha para a lareira.