Recensão
de Suicidas, de Henrique Manuel Bento Fialho
|Manuel
A. Domingos
Camus,
no seu muito celebrado O Mito de Sísifio,
afirma: «Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio.» A
verdade é que o suicídio permanece uma questão e está longe de ser um problema
resolvido. Em algumas culturas, o suicida é um pária; noutras, o suicídio é a
única forma honrada de saída (por exemplo: os samurais). O suicídio está longe
de ser um tema consensual. Ou melhor: é consensual na medida em que não há
consenso possível.
Henrique
Manuel Bento Fialho (1974) decidiu compilar, num livro, um grupo de suicidas, desde Alejandra Pizarnik até
Yukio Mishima. Suicidas (Deriva, 2013)
é composto por cinquenta e um textos, onde predominam temas recorrentes na
escrita de Henrique Manuel Bento Fialho (que podem ser vistos como pequenos
suicídios): o tédio, o cansaço, o esquecimento, o absurdo, o amor, o desespero,
a domesticidade.
Sobre a
questão da domesticidade, em Henrique Manuel Bento Fialho, muito se poderia
dizer. O tema já tinha sido explorado em Estórias
Domésticas (OVNI, 2006). Quando pensamos na ideia de doméstico, pensamos, também, no seu oposto mais natural: selvagem. A palavra doméstico remete-nos para tudo aquilo que é passível de ser
controlado, que pertence ao foro privado, que nos transmite alguma segurança,
ou conforto. Ora em Henrique Manuel Bento Fialho o doméstico é algo que oprime, que sufoca. O doméstico é, em Suicidas, a forma mais recorrente de
suicídio. Insidioso, silencioso, o doméstico é tudo menos acolhedor; tudo menos
seguro: «O animal doméstico não se consola migrando do quarto para a sala, da
sala para a sozinha, da cozinha para a garagem (…) de um lado para o outro,
arrastando o seu desânimo, a sua desesperança, a sua melancolia, a modorra dos
dias (…) poder rastejar sobre o soalho afagado e ladrilhado é para ele uma
inominável aventura.» (p.16). A ironia é evidente. Ou ainda: «Basicamente, há
que concertar os amanhãs, o futuro, vivendo as carteiras vazias do presente. O
nosso problema é andarmos como formigas amestradas, domesticadas, para cá e
para lá com os olhos postos num mês de férias em Vera Cruz.» (p. 43).
Apesar
da domesticidade, Henrique Manuel Bento Fialho não está alheio ao mundo que o
rodeia. Muitas das vezes, a domesticidade dá lugar a um sentimento de revolta.
Exemplo disso é o texto “Manuel Laranjeira”. Retrato do tempo que corre (e que
tende a regular as organizações, os costumes, o consumo, a informação, a
educação; não podemos esquecer os mecanismos de sedução [cf. Lipovetsky]), é um
texto acutilante e que termina com uma espécie de “aviso à navegação”: «Por
isso continua a caminhar com a trela ao pescoço, oferece uma ponta da trela aos
admiráveis directores da congregação, adequa-lhes o discurso, abana a caudinha
e ladra béu béu enquanto eles te acenarem com um osso, tudo o que resta para
ti: uma ínfima e desprezível vaidade. Que a carne há muito foi distribuída.»
(p. 72).
Livro
denso, Suicidas tem a capacidade de
comover, quer pela poesia de algumas passagens, quer pela verdade que em si
encerra: «A revolta, como sabes, é um edifício sólido que por vezes cede aos mais eloquentes fenómenos da natureza.» (p. 122).
Henrique
Manuel Bento Fialho, Suicidas, Porto: Deriva, 2013, 123 pp.