quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Poesia cibernética: Engrácia e os SMSs de amor.

| Cláudia Assis



Ainda da sua cama [ninho que testemunhara o reencontro daqueles dois corpos, há tanto adiado], Engrácia apreciava o esgueirar do sol, que aos bocadinhos raiava no céu azul de outono. Se fechasse os olhos, era capaz de senti-LO ainda ali, a passear aquelas firmes mãos pelas curvas do seu corpo.
Entre um suspiro e outro, enquanto Engrácia [e a suas generosas curvas] tentava habituar-se àquela ausência consentida [saudade], um sinal sonoro acabou por chamá-la à realidade. Era ELE, o responsável pelos devaneios matinais que floresciam incessantes na memória de Engrácia, em mais uma das suas investidas de amor [à distância]. E já não tardava muito até que um sorriso largo viesse fazer morada no rosto de Engrácia:

ELE: “O teu corpo é um mundo, Engrácia, meu amor. Um mundo para o qual não necessito de mapa. Não quero um mapa! Deixa mais é que aí me perca... e me ache... e me perca tantas outras vezes... Vou, mas volto, pois é no teu corpo que quero morar.”

Engrácia: “️Das coisas que mais me encanta em ti é mesmo esse lado teu devasso. Mas uma devassidão poética. Estarei por aqui para o caso de galanteios avulsos que queiras me ofertar. Não os deixe acumular na algibeira do teu peito, meu poeta.”

ELE: “Desejo devolvido, amada minha, lar dos meus versos. Quero os teus desejos todos, não te esqueças. E se nestas noites frias o desejo bárbaro te visitar, procura-me. Encaixar-me-ei no que tiveres para mim. Do gourmet ao vulgar. E não leves mapa. Deixa que nos percamos um no outro.”

Engrácia: “Os teus desejos são uma ordem. Só mais uma coisa: estarei vestida de verão só por tua causa, meu menino-amor. Bem sabes que trago o sol p'ros dias frios. Procurar-te-ei. Achar-te-ei. E que nos seja tudo permitido, do gourmet ao vulgar, pois apenas os sábios amantes é que sabem diferenciar um do outro. Tens-me. [A]Guardo-te!” ️

ELE: “Tenho que admitir que estou a anos de luz de saber usar as palavras como tu. Espero-te, Embaixadora do Sol. Que o Verão seja o nosso papel de embrulho. Sempre!”

Suspiros de ambos os lados, fruto da troca de galanteios de quem aprecia um amor de verdade, daquele que se experimenta em carne viva, com a alma exposta por ter de o fazer assim tão de longe. Amor à distância, é certo, mas de alma em riste [bendita tecnologia], como se tudo o resto congelasse eu redor deles, para a celebração mútua pudesse ser consumada.
Engrácia, por sua vez, enroscou-se outra vez na alvura dos lençóis que tanto contrastavam com a sua tez morena e limitou-se a sorrir um sorriso cúmplice, mesmo que à distância, por que contra a malandragem do destino [e a devassidão poética do ser amado] ela não se opunha jamais.