sexta-feira, 21 de março de 2014
Olhos sobre tela
Olhos sobre tela from Mariana Collares on Vimeo.
|Mariana Collares
Sozinho, na sala de estar, janela aberta, olha para “velhice -tal é o nome que os outros lhe dão-”e
pensa que poderia ser o tempo de sua felicidade quando um animal morre, ou quase morre, restam
o homem e sua alma ele se vê em meio às formas luminosas e vagas que ainda não são a escuridão
olha para a cidade de buenos aires, que vê da janela, e que antes se espalhava em subúrbios e a
enxerga agora estreitada na Recoleta, no Rerito, nas vagas ruas do once e nas casas velhas que
ainda chama O Sul.
Baixa os olhos sobre a folha branca e pensa sempre em sua vida foram demasiadas as coisas.
Demócrito de Abdera arracou os próprios olhos para pensar - hoje vê o o tempo arrancando-lhe os
olhos. A tela escurece lentamente, porém sem dor, e vê-se fluir por um manso declive que se
assemelha à eternidade. Seus amigos não têm mais rosto e as mulheres continuam sendo o que
foram há muitos anos. As esquinas podem ser outras, já não sabe, não há mais letras nas páginas
dos livros.
Tudo isso deveria atemorizá-lo mas o acalenta como um deleite, ou um retorno. Das gerações dos
livros que há na terra sabe ter lido apenas uns poucos aqueles que continua lendo na memória
lendo e reescrevendo com os olhos que já não têm. De todos os lugares convergem os caminhos que
lhe trouxeram ao seu secreto centro. Este mesmo em que se encontra hoje na sala de estar em
frente à janela e o vento. E tudo aquilo que ecoa como passos e homens, e mulheres, e agonias e
ressurreições, foram os dias e as noites, foram entressonhos e sonhos e cada mínimo instante do
ontem e todas as memórias do mundo, a espada do dinamarquês, a lua do persa, e os silêncios dos
mortos, todos os amores, todas as palavras. Emerson e a neve e tantas outras coisas - agora
poderá esquecê-las.
Vê-se em seu centro imóvel, na sala de estar. A janela, o vento, as árvores fora. O copo d’água. A
mesa de centro. O livro aberto no fim. O lápis solto sobre a folha. A folha que é a sua álgebra e sua
chave. O seu espelho.
“Breve eu saberei quem sou”.
(OLHOS SOBRE TELA - Mariana Collares (texto baseado no poema Elogio da sombra, de Jorge Luis Borges)
"Olhos sobre tela" / Mariana Collares
Video-performance baseada no poema "Elogio da Sombra", de Jorge Luis Borges.
Texto, performance e leitura: Mariana Collares
Direção de Arte: Marcello Sahea
Música: Colo-paradeiro, de Barulhista
Digital video | 3'48"
2013