Está um pássaro morto no asfalto. Um Melro, macho, a julgar pela penugem negra. Uma fêmea aproxima-se, confirma o óbito. Parece confusa. Aproxima-se um automóvel, cego, cegando com a luz dos seus faróis. A fêmea levanta voo afastando-se da carcaça daquele que era seu companheiro há duas Primaveras.
Os automóveis continuam a passar. No fim do dia, apenas uma mancha escura no asfalto testemunha a existência de menos um Melro no mundo. Ninguém irá notar, ninguém saberá que há menos um Melro no mundo.
Mesmo que o seu corpo não se desintegrasse, mesmo que os pneus dos automóveis não estropiassem o seu pequeno corpo, poucos são os que parecem ver os cadáveres que se amontoam na berma da estrada. E um Melro, bom, é apenas um pássaro.
No Ninho, feito pelos dois, a fêmea continua a alimentar as suas crias e sente que há menos um Melro no mundo.
Ana Correia escreve no blogue Freak Perfume