Páginas

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Mesa do Canto - A fechar o café

|Alexandra Malheiro

Aprendi os cafés com o meu Pai. O prazer de sentar num deles pela manhã de fim-de-semana, a ler o jornal e a bebericar qualquer coisa, soltando o olhar de quando em vez pela montra do café feito montra do mundo, o encontro mais ou menos fortuito dos amigos que frequentavam o mesmo local, as conversas mais ou menos animadas sobre os temas de época.

As minhas primeiras manifestações de independência “adulta” deram-se com ele, nos cafés, com alguns oito ou nove anos, quando me sentava sozinha numa mesa mais adiante, com o caderno das artes do JN e pedia uma água com um pneu sob a serenidade do seu sorriso escondido no bigode. Depois descobri os meus próprios cafés e hábitos, passei a ler também o caderno da política e à minha mesa pousavam ocasionalmente outros amigos, os meus, que frequentavam os mesmos lugares de afecto.

Sempre entendi os cafés como lugares de afecto e ligação com o mundo, de lá se vê o mundo todo, deformado pelas melhores lentes que soubermos usar, as que vamos criando em nós, ali se encontram também todas as tribos, a fauna de cada lugar, para discutir o mundo e sobre ele traçar a sua impossível salvação.

Continuo a frequentar cafés, não sempre os mesmos ao longo do tempo, eles, como eu, se diluem, se alteram, uns que fecham outros que para sempre se apagam da minha rota substituindo paisagem e fauna, ela também volúvel ao tempo e a tudo o que nos acontece, até à morte que a muitos vai levando. Continuo, quase sempre, a ler o jornal ou um seu similar e-paper, subtituí a água com pneu pelo cimbalino e, certamente, sobretudo nas manhãs de Sábado ou Domingo, levo dentro de mim o meu Pai para ler comigo as notícias do dia.

Tentei neste espaço de crónica fazer-vos partilhar dos ociosos pensamentos que me assaltam no café, que é o melhor lugar para pensar, muitas vezes vos ofereci a paisagem vista da montra, os livros sobre a mesa, até os amigos em conversa. Não sei se fui tremendamente chata ou se vos deixei no ar um lampejo de sonho ou confusão, algo que vos deixasse a pensar, mas de uma maneira ou de outra foi feliz esta minha passagem pela Revista Literária Sítio – que continuarei a ler – deixando lugar a outros para este espaço mensal. Deixo-vos por razões profissionais e falta de tempo para cumprir esta “servidão” (diria o Pina) mensal, mas estou certa que continuarão aqui a buscar a frescura da literatura, o prazer da viagem que só quem lê consegue compreender.

Bem hajam por me terem lido, por terem estado aí, desse lado. Boas leituras e, sobretudo, boas viagens. A literatura nada mais é senão um dos mais baratos e acessíveis meios de transporte para as mais fantásticas, únicas e fantasiosas viagens que podemos fazer, as da imaginação e dos sentidos.
Fica de “brinde” este velho poema com que aqui fecho a minha participação:


Declaração

Escrevo poemas nos guardanapos dos cafés.
E não é fácil fazê-lo –
pelo menos como eu o faço –
de esferográfica,
o papel tende a rasgar-se,
é preciso prende-lo bem
sob os dedos,
estica-lo
para que se não rompa!

Agora mesmo, que o faço,
penso
como é difícil
e notável
esta arte que possuo –
a de escrever poemas
nos guardanapos dos cafés.

É bem mais fácil apenas frequentá-los
e beber o cimbalino quente
sem pensar nos poemas.
Melhor fora que guardasse
as palavras no bolso,
sem papel nem esferográfica,
antes elas nem me assaltassem
quando tomo o meu café.

Mais valia a montra
e o que vai para além dela!
Ainda por cima
o papel amachuca-se nos bolsos
e depois nem consigo ler,
tudo fica tão ilegível e baço
como a vida para além da montra do café.

Afinal... tudo faz sentido!

In “A urgência das palavras” 
(2008)

domingo, 1 de junho de 2014

Livros a Oeste: programa de 1 de junho

10h00 - 13h00/14h00 - 17h00 - Comemorações do Dia Mundial da Criança
Insufláveis, Demonstrações de Karaté, Aula de yoga, Jogos tradicionais, Aula de Zumba, animação de rua, modelagem de balões, pinturas faciais…
Local: Praça José Máximo da Costa



15h30 – Las Meninas
Nos 50 anos das personagens Anita e Mafalda
Maria José Pereira; segundo convidado a confirmar
Moderação: João Morales
Público-alvo: Comunidade em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


16h30 – “A Minha Pátria é a Língua Portuguesa”
Mário Zambujal; Patrícia Portela; Waldir Araújo
Moderação: João Morales
Público-alvo: público em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


16h30 – Animação de Rua com a Banda da AMAL – Associação Musical e Artística Lourinhanense

sábado, 31 de maio de 2014

Livros a Oeste: programa de 31 de maio

10h30 - Animação Musical de Marionetas “Galináceas” (10m)
Dramatização: “A derrota do Kid Labaderas” (20-30m)
Desfile de Moda: VestirArte” (15-20m)
Dinamização: 11.º H de Animação Sócio-Cultural da Escola Secundária Dr. João Manuel da Costa Delgado - Lourinhã
Público-alvo: público em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


15h00 – Poetas a Tempo Inteiro
Andreia C. Faria; Aurelino Costa; Catarina Nunes de Almeida
Moderação: João Morales
Público-alvo: Comunidade em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


16h30 – Teatro de Fantoches “A Mala Assombrada” – baseado no livro de David Machado
Público-alvo: Comunidade em geral
Dinamização: Biblioteca Municipal da Lourinhã
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


18h30 – Letras & Ideias
David Soares; Rui Tavares;
Moderação: João Morales
Público-alvo: público em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


21h30 - Concerto “Músicas do Mundo”
Coro Municipal da Lourinhã
Coro Juvenil do Externato de Penafirme
Local: Auditório da AMAL

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Livros a Oeste: programa de 30 de maio

10h00 - Animação Musical de Marionetas “Galináceas” (10m)
Dramatização: “A derrota do Kid Labaderas” (20-30m)
Desfile de Moda: VestirArte” (15-20m)
Dinamização: 11.º H de Animação Socio-Cultural da Escola Secundária Dr. João Manuel da Costa Delgado - Lourinhã
Público-alvo: 1.º Ciclo
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


11h30 – Sessão com a Escritora Sandra Antunes sobre o livro “A Pépita de Chocolate”
Público-alvo: Alunos do 2.º, 3.º e 4.º anos do 1º Ciclo
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


14h30 – Dramatização: “O Doente Imaginário” de Moliére
Dinamização: Alunos do Colégio Rainha D.ª Leonor de Caldas da Rainha
Público-alvo: 9.º ano e Secundário
Local: Auditório da AMAL


15h30 – Sessão com o Escritor Carlos Guardado da Silva e Ilustrador Daniel Silvestre da Silva, sobre o livro “Um País Silencioso”
Público-alvo: Alunos do 9.º ano e público em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


17h00 – Projeto “Conta-me um Conto”
Dinamização: Biblioteca Municipal de Caldas da Rainha e Universidade Sénior de Caldas da Rainha
Público-alvo: Pré-escolar e 1.º Ciclo
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


18h30 – Uma Vida não me chega
Pedro Guilherme-Moreira; Nuno Júdice; Rui Zink
Moderação: João Morales
Público-alvo: Comunidade em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


21h30m – O 25 de Abril por quem o Relatou
A partir do livro Os Rapazes dos Tanques, c/ os autores
Alfredo Cunha; Adelino Gomes
Moderação: João Morales
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Livros a Oeste: programa de 29 de maio

10h30 – As Consultas do Dr. Serafim e a Bronquite da Senhora Adriana
c/ autores Rosário Alçada Araújo e Afonso Cruz
Público-alvo: 3.º ano
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira

11h30 – Sessão com a Escritora Ana Meireles
Público-alvo: Alunos do 1.º Ciclo
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


14h00 – Animação Musical de Marionetas “Galináceas” (10m)
Dramatização: “A derrota do Kid Labaderas” (20-30m)
Desfile de Moda: VestirArte” (15-20m)
Dinamização: 11.º H de Animação Sócio-Cultural da Escola Secundária Dr. João Manuel da Costa Delgado - Lourinhã
Público-alvo: Pré-escolar
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


17h00 – Teatro de Fantoches “A Mala Assombrada” – baseado no livro de David Machado
Público-alvo: pré-escolar e 1.º ciclo
Dinamização: Biblioteca Municipal da Lourinhã
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


18h30 – Andarilhos à Conversa
David Machado; André Gago; Eduardo Raposo
Moderação: João Morales
Público-alvo: Comunidade em geral Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Livros a Oeste: programa de 28 de maio

10h00 - Inauguração do Festival Livros a Oeste
Intervenções do Senhor Presidente da Câmara Municipal, do Vereador da Cultura, da Chefe de Divisão, do bibliotecário e do programador


10h30 - Tuna de Ribamar e Grupo Coral “Os Afonsinhos”
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


11h00 – Sessão com a Escritora Margarida Fonseca Santos
Público-alvo: 2.º e 3.º ciclos
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira


14h00 – Peça de Teatro “Auto da Barca do Inferno”
Público-alvo: 9.º ano
Dinamização: Gteatro
Local: Auditório da AMAL


15h00 – Histórias filmadas
Projeção de curtas – metragens: “Sem Respirar” (8,14m), de Pedro Brito (guião de Filipe Homem Fonseca) e “Histórias de Molero I, II e III” (6m cada); textos de Dinis Machado, adaptados por Afonso Cruz
Seguido de conversa c/ Pedro Brito; Filipe Homem Fonseca e Afonso Cruz
Público-alvo: Alunos do Ensino Secundário
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira

17h00 – Workshop de Escrita Criativa com Margarida Fonseca Santos
Público-alvo: Professores/as, Bibliotecários/as Duração: 3 horas (inscrição prévia)
Local: Biblioteca Municipal da Lourinhã (novas instalações)


18h30 - Estreias de 2013 Filipe Homem Fonseca; Bruno Vieira Amaral
Moderação: João Morales
Público-alvo: Comunidade em geral
Local: Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira

terça-feira, 27 de maio de 2014

Livros a Oeste 2014

A Revista Literária Sítio é Media Partner do Festival Livros a Oeste 2014. Durante o resto desta semana, publicaremos o programa diário do evento nas nossas páginas, promovendo os autores e os eventos que terão lugar no Município da Lourinhã entre 28 de maio e 1 de junho.

Todos os parceiros da Organização e principais eventos do Festival
Para conhecer mais sobre o evento, aconselhamos a visita da página oficial do mesmo. Fique a saber tudo sobre os autores presentes, o programa e os elementos multimédia (vídeos e fotografias) que irão ser produzidos durante o evento.

Programa completo da edição 2014

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Festival Livros a Oeste 2014 – Um marco na Cultura da região

Já com três edições, o Festival Livros a Oeste, organizado pelo Município da Lourinhã é um marco no panorama cultural do Oeste, decorrendo entre os dias 28 de maio e 1 de junho, no Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira.

Mundo Global é o tema deste ano e as iniciativas programadas traduzem esta ideia de uma comunicação mais ampla e universal.

O certame vai propiciar, uma vez mais, o contacto com grandes e conceituados escritores da língua portuguesa, bem como uma feira do livro, onde podem ser encontradas obras de referência e novidades a preço de desconto.

Saliente-se ainda uma vasta programação cultural com atividades para crianças, mostras, sessões de cinema e espectáculos diversos, que todos os anos atrai um número significativo de público, não só do concelho da Lourinhã, mas também dos concelhos vizinhos da Região Oeste.

O grande destaque da agenda vai para a presença de reputados autores do panorama literário português, como Adelino Gomes, Alfredo Cunha, Ana Meireles, André Gago, Afonso Cruz, David Machado, Mário Zambujal, Margarida Fonseca Santos, Nuno Júdice, Rui Zink e Waldir Araújo, entre outros. 

Ao centro o vereador Fernando Oliveira, responsável pela área da Cultura, ladeado pelo programador do Festival, João Morales, e por Conceição Franco, Chefe da Divisão de Intervenção Social e Cultural do Município da Lourinhã


Nos encontros com escritores fica a promessa de conversas ricas em conteúdo e assumidamente informais, uma vez que também o público é convidado a dialogar com os intervenientes no final das sessões.
 
O evento foi apresentado ontem à comunicação social pelo vereador Fernando Oliveira, que efetuou um enquadramento do Festival e apresentou as principais linhas de comunicação do certame.

Evidenciou que  a amplitude nacional do Festival se traduz, principalmente, "no excelente painel de autores que desde 2012 tem vindo à Lourinhã, para a apresentação e lançamento de livros, para encontros literários e para a dinamização de Workshops e de outras iniciativas".

Nesta linha, destacou que o facto do festival "ser um evento democrático e de fruição cultural, com entradas livres". "A programação eclética e as presenças que reúne, colocam-no a par de outros certames de projeção nacional", reiterou.

Acrescentou que este ano, "o Festival Livros a Oeste propicia a vinda de mais de 25 relevantes autores portugueses, que se juntam àqueles que já brindaram a Lourinhã com a sua presença, em edições anteriores, pelo que podemos afirmar que já passaram pelo concelho 8 dezenas de autores".
 
O edil destacou, de igual modo, o relevante papel das escolas  da Lourinhã e dos estabelecimentos de ensino da região, "enquanto destinatários de uma mensagem universalista que associa a cultura e o saber ao progresso da humanidade".

Disse ainda que  os estabelecimentos de ensino são protagonistas e intervenientes diretos nesta programação, referindo como exemplo as mostras, patentes ao longo do certame e o espetáculo que a Escola Secundária da Lourinhã vai proporcionar no dia 31 de maio, com animação musical, dramatização teatral e até um desfile de moda.

Deixou ainda uma  palavra especial para os alunos de concelhos limítrofes, nomeadamente, do Curso Profissional de Artes do Espetáculo do Colégio Rainha D. Leonor, das Caldas da Rainha, que apresentam a peça “O Doente Imaginário” de Moliére e para o Coro Juvenil do Externato de Penafirme, que se junta ao Coro Municipal da Lourinhã no concerto “Músicas do Mundo”.

O blog oficial do evento

À semelhança de 2013, o evento será comunicado através de um amplo conjunto de meios: desde as notas de imprensa e sítio municipal, ao facebook e newsletters, passando pelos cartazes, flyers, spots e anúncios em rádios e jornais.

Uma vez mais, o blog do festival 
www.livrosaoeste.blogspot.pt vai constituir o posto avançado da comunicação do certame, quer para os públicos interno e externo, quer para a comunicação social.

Neste veículo será disponibilizado o programa do evento, as biografias e bibliografias dos autores convidados, a lista de apoios e parcerias, os media partners, entre outras informações de interesse geral.

Ao longo do evento será disponibilizado no blog, quer para o público em geral, quer para jornalistas, notícias sobre as iniciativas do programa, acompanhadas por fotografias e, nalguns casos, por registo vídeo.  

sábado, 24 de maio de 2014

Senta-te à Beira-Rio

|Carina Portugal

Senta-te à beira-rio.
Atenta o barco que ali vai
Corrente a baixo, que se esvai
Entre os cabelos do estio.

Entrança seus rumos.
Sê guia do destino, feiticeira,
Sê aquela que é ao olhar sereia,
E ao escutar sussurros.

Toca o Sol ao pôr.
Emprestado toma-lhe então
Luz, aconchego e coração,
Que seu cerne é flama e ardor.

Lança-os ao vento,
Áureo nómada, mensageiro.
Envia-o ao teu marinheiro
Que ao céu reserva-se atento.

Sob o seu toque e beijo será viva
A recordação deixada ao largo,
A doce donzela que de encargo
Vela o regresso à despedida.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Fazer o outono de navalha no bolso

|E.M. Valmont

A navalha, fria, faz-se ouvir
mais que as palavras gritadas
na boca o sangue que advir
cuspido em postas sustidas

porventura almas mal nutridas
de letras, a fome espertina
o punho do pobre à guilhotina
de um país podre, nas despedidas

a navalha dá grandeza    
à guerra que se quer dizer  
em palavras, parece poder      
de certo apenas incerteza        

de como crescem as crianças
quando o outono deixar cair
as folhas mortas e as vinganças

de como crescem as crianças

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Tento adormecer

|Tomás Gomes

 Tento adormecer. Aguardo inquietamente pela sonolência enquanto me reviro nos lençóis. Desisto, puxo-os para baixo e tento apanhar um pouco de ar fresco. Assumo a minha fraca posição face ao meu cérebro. Cedo à tentação e penso. É notório que ele quer que eu pense. Olho à minha volta. Está escuro. Vejo tanto e tão pouco.
                És a primeira imagem, lembrança que me ocorre, é inevitável. Surge a tua imagem desalinhada. Surge em mim todo um algo igualmente desalinhado que despoleta algo em mim. O amor domina-me. A partir deste momento perdi a qualidade que nos distingue dos animais, deixei de ser racional. Imagino-te ao meu lado. Nua. Tão tu, que mesmo em frente ao espelho dificilmente te reconhecerias perante tanta pureza, tanto sentimento. Constrói-se toda uma imagem mental: os teus olhos na minha direcção, o teu corpo sobre o meu. A tua pele, fria. A tua pele fria. Beijo-te, já perdido em ti. Deixando de tentar perceber o “nós” deixando de tentar perceber tudo. Passo para um mundo à parte. Só deus sabe o quanto amo esse mundo em que tenho vivido tão grande parte da minha vida desde que olhei com olhos de ver esses teus olhos que deviam de condenar quem te olha com olhos de observar. Imagino eu e tu, um só. Imagino tu a saíres de cima de mim, a regressares ao meu lado, a colocares o teu braço sobre o meu peito e a simplesmente adormeceres. Estou apaixonado.
                De repente desapareces. O pânico domina-me. Finalmente apercebo-me de que adormeci, acalmo-me. Deixo-me sonhar, tinha tantas saudades de sonhar. Sonho contigo, e deixo-me levar, apenas levar. Que a minha alma se eleve acima do meu corpo, que abandone esta ataraxia que me domina de forma sublime, que me entristece o corpo, que me entope as veias e fere o coração. Que se eleve acima de tudo, que te leve com ela. Que fiques comigo, não para sempre, mas durante o maior tempo possível em que ambos sejamos felizes.

                Morri.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Onde mora a escuridão

|Liliana Leça

Abri os olhos, pesados e lacrimejosos que ardiam como chamas vivas. Era tudo negro, tão negro que não me permitiu perceber onde estava e se era de noite ou de dia.  Virei a cabeça para um lado e depois para o outro...mais escuridão. Não havia nada para além do nada. Nem um único som, nem uma única imagem...nem um único odor que pudesse reconhecer como meu. O ar preenchia-se de um calor cruél, que invadia a minha pele sem pedir permissão e queimava as minhas costas sem dó nem piedade. Tentei erguer-me rapidamente,mas o meu corpo foi obrigado a não obedecer. Uma força implacável puxou-me para baixo e manteve-me colado àquele solo escaldante. Ergui as mãos bem em frente ao rosto, aliviado por não estarem atadas ou presas a algum sitio.Depois, movimentei os pés que também estavam livres. Não havia razão para não me conseguir mover normalmente. Tentei levantar-me pela segunda vez,mas aquele peso bruto e invisível tornou a empurrar-me para o chão. Era uma força muda e vazia e começava a causar-me arrepios. Naquele exacto momento eu soube que tinha de sair dali. Não havia tempo para questionar os inúmeros "porquês" que me sufocavam a mente. Senti o gosto a perigo através do suor que escorria pelas minhas têmporas e nao gostei do paladar...Ácido e amargo ao mesmo tempo. Soltei um grito que ecoou pelo vazio daquele lugar que eu não sabia onde era...um grito que transbordava medo e desespero. Talvez alguém me ouvisse...Talvez não fosse tão solitário como me assumia ser e alguém desse por minha falta.Talvez...
Gritei sem cessar, mesmo quando já nada existia para além de um som mudo e abafado. As minhas forças tinham decidido abandonar-me e o que restava agora era apenas um corpo inerte e fraco. Um corpo que já não parecia ser o meu, de tão vulnerável e inútil que era. O silêncio ocupou novamente aquele espaço e a única coisa que se ouvia eram as batidas desenfreadas do meu peito. As batidas da minha própria cobardia. Mas repentinamente, ao longe, surgiu outro som. Eram passos... passos vagarosos que se arrastavam até mim num ritmo tortuoso e agonizante. Foram ficando cada vez mais perto e eu aguardava-os impaciente, sem ter como fugir. Até que finalmente pararam e abriu-se uma porta. Atrás dela, havia uma luz ténue que iluminava um vulto de homem que se manteve nas sombras. Um calafrio percorreu-me a espinha, quando a sua voz áspera me saudou:

____ Caro Arthur!Sabia que um dia virias até mim!

____ Que...quem...Quem és tu?O que me fizeste?__ perguntei, petrificado.

O homem soltou uma gargalhada estridente que me gelou os ossos.

____ Podes chamar-me o que quiseres, mas normalmente chamam-me Diabo! Agora segue-me...vem conhecer a tua nova casa!

terça-feira, 20 de maio de 2014

Humanos e só isso

|Ana Pereira

Em virtude de algumas sensações que me conseguem abarcar e fazer-me sentir estupidamente completa e incompleta ao mesmo tempo, escrevo estas palavras, fruto de um subconsciente enredado a que chamo coracérebro (perdoem-me a aglutinação inexistente, mas achei que precisava de lhe chamar alguma coisa que, pelo menos para mim, tenha alguma lógica).

Sofro de uma fraca capacidade de transpor emotivamente aquilo que sinto, tem sido um grande entrave à minha realização pessoal. Gosto de pensar que de certa forma por escrevinhar aqui ou ali me consigo expressar melhor, não que seja qualquer tipo de Fernando Pessoa e longe de mim ser um Luís Vaz de Camões, quero ser a Ana, uma pessoa, um ser que se interpõe através de uma narrativa construída a partir de uma filosofia própria e um vocabulário um tanto (ou realmente nunca) adequado.

É muito mais fácil escrever sobre sentimentos do que sobre nós mesmos, ou assim deveria ser segundo a ordem natural das coisas (ordem essa que alguém estabeleceu, mas como eu sou um bocadinho rebelde, vou fazer-me de esquecida e apaga-la da minha memória, por favor, não me censurem agora), eu gosto de ser diferente, não aquele diferente chato que passado um x tempo começa a ser igual a tudo e mais alguma coisa porque sejamos sinceros, há sempre aquele fulano irritante que teima em roubar um pouco de nós, mais que não seja aquele stalker que recolhe os cabelos que ficam presos nos parafusos das cadeiras. Não, não pensem que me divirto a perseguir pessoas, nada disso, antes pelo contrário, sinto-me perseguida por uma carrada de gente igual, feita em série, fabricada numa sociedade pútrida que mais não faz do que infestar a nossa vida com pessoas vazias e irritantes, estupidamente irritantes. Sabem o que acho? Seria muito bom termos algum tipo de “homencida” (aqueles sprays que se compra para afastar mosquitos, mas numa versão anti estes seres) que nos permitisse chutá-los- oh sim, chutá-los parece-me uma boa ideia.

Oh, eu não odeio a Humanidade, calma com isso que também sou Humana, carne, osso e alma- ah sim, alma é isso que faz falta a muito boa gente- mas sabem o que me deixa a fervilhar por dentro? Bem, já sei o que pensaram seus marotos, mas não, nada tem a ver com isso. O que me faz sentir a fervilhar e cada vez mais refeita e contrafeita é a capacidade de me fazer letras, de despejar o meu coração numa infinita combinação de letras, palavras e verbos, é engraçado sabem? Mas melhor ainda é ter-me apercebido que de entre tanta gente há sempre uma ou outra pessoa que pára e lê, mas com olhos de ler, aquela operação exaustiva que nos faz esmiuçar cada bocadinho da narrativa, certamente sabem do que falo…sinto-me extremamente orgulhosa por ter encontrado neste mundo tão grande, pessoas que me fazem apagar e reescrever a minha vida, construindo-me e refazendo-me a cada parágrafo. Obrigada por existirem e se destacarem neste antro de macaquinhos de teste, vocês fazem de mim mais Humana e só isso.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Parceria BranMorrighan & Revista Literária Sítio - Eis os escritores talentosos!


Esta semana publicamos os resultados da parceria entre a Revista Literária Sítio e o Blog BranMorrighan.

Entre os vários participantes foram escolhidos os textos em prosa de Ana Pereira, Liliana Leça e Tomás Gomes, e os poemas de Carina Portugal e E.M. Valmont.

Durante toda a semana procederemos à publicação de um texto por dia. Agradecemos a disponibilidade do Blog BranMorrighan para esta ideia e esperamos que entre os autores escolhidos possam estar futuros colaboradores regulares da Revista Literária Sítio!

sábado, 17 de maio de 2014

Beira Rio

|Matheus Mineiro


arrastei ate a beira desse poema  a carcaça
de uma  capivara que ate então vivia
roendo a beira da palavra rio
                          talvez
escavando seu sistema digestivo
eu colha  esse  rio
                      e ele me ensine a fluir
 tal-qualmente uma corrente.
digo escorrer
observando a noção de nascente
                                até as
primeiras pedras
                 e quedas e diques e esgotos.
me ensina arespirar com  as guelras dos  lambaris
 e decolar com  as asas das garças.
uma amiga índia chorou tanto uma vez que
de seus olhos saíram o Rio Passa Quatro, corredeiras e  mananciais.
eu poderia por um dia ser água turva,
estilo rio negro
e ser nadado por um boto rosa.
ou ser água da praia da cajaíba aguardando os espinhos do baiacu.
tenho amigos que parecem fontes de água mineral quando conversamos.
dispensar o cérebro qualquer dia desses
só para ter uma bacia hidrográfica dentro do peito.
ser rio e ser choro.
saber da esquisitice da água
que é embriagar  a  sede.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Porca selvagem do mato

|Matheus Mineiro

quando convive ou
 quando
escreve
tudo parece ferramenta cirúrgica que  bifurca  pele
quando convive ou quando escreve
cada sílaba é
 lâmina de  um canivete
que corta  a barriga de uma porca selvagem do mato
para jorrar um caldo 
muito
mas muito pastoso
até  que o  poema entre no mundo como um homem
 soltando grunhidos.
soltando grunhidos.
soltando grunhidos.
fazendo carícias na garganta do grito
se depara com o abatedouro diário
dentro do  pensamento.
 quando a lamina passeia pela  garganta da  porca selvagem do mato
percebes  que  o  mundo é aquela  irritação nas suas  amígdalas .
fazendo carícias na garganta do grito
A rotina da cidade é entalhe feito por instrumento cortante.
nos faz apalpar a lâmina de um serrote soletrando o verbo insistir.

junto a esse incomodo que é sentir o tédio cutucando meus rins.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Fertilizando

|Matheus Mineiro

mesmo completando 25 anos daqui a uma semana
deitado nesse  assoalho da modernização
entre o papo das estrelas com o  teto
acordo todo dia
como se fosse uma sílaba de um embrião
desenvolvendo-se dentro da palavra feto.
me seguro com as duas mãos bem firmes
no meu cordão umbilical ,cabo de guerra,        
acoplado na região abdominal do meu astral
ligado diretamente na placenta do planeta terra.
Estalos elétricos rompem do cérebro
nutrindo-o de instigas .
dias e meses e anos e juros se passam,como um javali do mato
calcando do abstrato ao concreto.
enquanto me querem ver  cadáver
acordo todo dia em estado de feto.ciente que é a partir de arranhões que se abre  a amplidão,
na infantilidade da unha já existe a disposição de garras.
enquanto me querem ver  cadáver
acordo todo dia em estado de feto.
ensopado de sonhos ,objeto antes distraído agora feito um animal desperto
acordo todo dia em estado eufórico de feto
ensopado de afeto e daquele liquido pastoso branco do pós parto.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Estilete

|Matheus Mineiro


a silaba tônica da palavra  rotina
estilete que  raspa qualquer  língua.
delicadamente no seu estiletar 
arranca uma pelanca do peito
e abre um fiorde que se estende ate o crânio,
saco do mamanguá
delicadamente aberto neste estiletar.
 de-li-ca-da-mente
qual estilete 
este 
que massageia a palavra cidade e
navalha tudo que nossas ânsias contem de casca,
de polpa,de  pele.
qual estilete 
este 
da silaba tônica da palavra rotina
 que perfura a rubra barriga da tarde
e vazam estrelas e estrelas e mais estrelas 
                           no preto pontilhado do piso  do céu
e cada cidadão em sua orbita
 vira de costas para o sol e se anoitece .
mesmo a  meia noite  pessoas agem
como um sol de meio dia que arde.
besunta os cacos de vidro
 com a saliva
quando soletra a palavra descanso.
rasga a letra M do mundo 
e espirra  uma  menstruação nuclear ,
carmesim,
que sera entornada dentro
de um  hermafrodita ;
num  útero de ovários que funcionam quão ogivas;
primeiro detona e
 depois surgem os cacos de luz.
os dias passam como um estilete ,
uma incisão cirúrgica sem sedativo
por nossas vidas.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Pequeno dossiê sobre a imensa problemática na rotina de um médio cid-adão

|Matheus Mineiro

boiar pela orbita da calçada
como se fosse  apenas mais um cometa
que  não cometa  trans
                                tornos em torno de si
sendo apenas mais um cometa
numa rua ,declive pulular,desse uni
                                                 verso
                                                 pop
                                                 ular.
I I
que destranca  a  porta da solitária palavra casa,
estende uma lua cheia  e outra lua minguante
 no varal estrelado da noite
e com o intuito de amanhã bem cedo
 vestir  a camiseta  azul do amanhecer
pendura  seu sol em algum cabide.
sendo  mais um dia escorrendo sobre seu corpo
sendo  mais um vento escorrendo sobre seu agreste.
vorazmente o calendário  range seus 12 dentes em 365 contrações
e este corpo agreste agradece os esforços  dos  corpos celestes
que impreterivelmente amanhecem e anoitecem
como  as pessoas que im-pre-te-ri-vel-
                                      - mente amanhecem e anoitecem.
mesmo com um chip implantado no fêmur das suas condutas.
I I I
sonha matar a sede na língua  da palavra montanha
para retornar  fluindo e jorrando pelas trilhas do dia a dia
abraçado pelos dois braços da  letra V que o conecta  ao verbo viver
nessa humanidade que é um Adão digital ,Adão negro de fuligem
perplexo e nu  diante das palavras;
com a mesma perplexidade da brisa quando é apresentada a um  tufão
vê sua costela menstruando e tenta endireitá-la ,mas costela é osso torto.
acorda  todo gênese diante dos apocalipses de todas as manhãs.
um esperma  a espera  da globalização.
dessa  gaiola  azul aqui ninguém corre.
Sendo que no dia do velório ao invés de choro
ocorrerá um chá de bebê eufórico e ao invés de flores e cova serás arremessado
dentro de uma bolsa fetal .

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Poesia

|Matheus Mineiro

Vulcão expele 5 milhões de pétalas
mas borrifo de gás metano e lava fica por conta dos corações e dos neurônios;
músculos e sentimentos constritores
enroscando do peito à cabeça
como uma píton de metros e metros.
deixar as pessoas tontas e distraídas
para assim sugar da sua corrente sanguina
toda tenacidade,
mas a motivação vem pra desentupir veias,arrebentar varizes,
colocar o ossos da coluna no lugar.
ser 15 elefantas africanas no cio dentro de um pequeno pote azul , que este o mundo.
mesmo sobre um col-chão de clarofilito
cada braço da rua,
calçadas,me benzem.
sonho com um olho e fico atento usando o outro.
repito a mesma posição
pélvica e transversal
em que me encontrava
dentro da bolsa fetal
de minha mãe.
no entanto sinto torcicolo,
inflação, imposições,regras
chumbo no pescoço de qualquer um.

repúdio aos horizontes estancados dentro de um monóculo.

Matheus Mineiro - Biografia



Matheus Mineiro artesão e poeta autor do livro A Cachoeira do Poema Na Fazenda do Seu Astral,2013.
Se encontra radicado na bucólica Serra dos Órgãos .
www.apologiapoetica.blogspot.com.br

domingo, 11 de maio de 2014

Mestre

|Luis Coelho

Seguem-te esquecendo-se,
Desvelam a ilusão,
nutrem-se no teu furúnculo,
Restringem-se
na acção, na cognição,
porque os injectas na sua base,
no seu homúnculo reptiliano,
porque os aprisionas na culpa ditosa,
crias as regras da sua estase,
os apetrechos ocos do seu córtex,

Opera-los, tritura-los, redu-los à sua condição,
Lembras-lhes a sua Humanidade,
porque é tua, a que já foi deles, pobre volição,
Trazes ao mundo a esperança,
quando oca é a vida e vã a temperança.

sábado, 10 de maio de 2014

Mapas

|Luis Coelho

Não me procures na urgência de medidas,
Não vejas em mim a tua distância definida,
Não procures no meu corpo os teus limites sucumbidos,
Não vislumbres no meu olhar a aceitação dos dias preteridos.
Não venho para dar Luz, como os instrumentos de outras Eras,
Não venho estender vias, como fronteiras predestinadas,
Trago em mim os velos e a urgência do mistério,
Trago comigo a Noite e a mística do baptistério,
Trago comigo a sombra e o silêncio das esculturas,
Trarei em mim o secreto e os deuses das alturas,
caindo como anjo mortal do solstício das agruras.

Não sou Razão, como via direccionada,
Não teço soluções nem a voz por muitos desejada,
Venho perturbar, riscar a meta na deturpação
da Verdade que os tempos devoraram ficcionada.


sexta-feira, 9 de maio de 2014

A Sagrada Família

|Luis Coelho

Pai, ao teu eco túrgido,
à Palavra com que cegas,
Condeno as liberdades,
porque não me concedo,
Não te mato em mim
de te fender nos outros,
Faço-te Lei num gesto grotesco,
no repente do medo,
de vis demónios consentidos.

Expiras em mim os pólos contrafeitos,
Limitas a minha dança à dúvida do regresso,
fazendo-me teu espelho,
no negro perecível do teu ouro,
no reflexo temível do teu núcleo.

Queres-me sombra à custa de me trazeres no teu espectro.
Queres-me luz à custa de querer trair o teu feltro.

E eu só quero ser a Mãe do teu repúdio,
matéria no asco dos teus limites,
desejo, sexo e vanidade
levitando,
mergulhando no centro do teu túmulo.

Mãe Sophia no teu filho de ousadias.
Mãe do retorno perpétuo,
comédia dos trabalhos, a tragédia dos dias,
Eu sou o filho e trago comigo a paixão
das verdades relativas, das mentiras rendidas.


quinta-feira, 8 de maio de 2014

A paixão de Sophia

|Luis Coelho

Da Noite de enxofre, da costela de ouro,
do pneuma, da pleura, do Sopro vital,
Quedas-te do triunfo dos homens,
da Imaginação,
da montanha, da coroa, da obra da retorta,
do corpo inconsciente criação,
Fazes da carne a vaidade saturnina,
o palco do teu seio,
a rampa da saudade tempestiva
do vazio da profecia.



quarta-feira, 7 de maio de 2014

Pater

|Luis Coelho

Repousas no desejo de seres
Dormes no anseio do sonho
Não pretendes vir a ser
E, não obstante, quere-lo,
Queres a insanidade,
a viagem e o plural,
Quedar com o sentido
do sem sentido,
Caminhar para a ti chegares
no momento primeiro,
no tempo do encontro
com a ilusão de um início.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Trindade

|Luis Coelho

Pai,
No teu sono de enxofre
desejas na impossibilidade
o rio do atrito da desventura,
E o filho,
que resvala na partitura da paixão,
na redução dos homens transviados,
na roda serpentina do retorno eternizado,
suplica a renúncia na libertação,
implora a sua própria rebelião,
para que a Verdade nele chame a contenda da dúvida,
para que a neurose, a culpa nele demande sacrifício,
o seu levitar materno, ousadia de Sophia,
a sua desmaterialização na fortuna iniciática,
pela ordem, acção e síntese
do Espírito feito alma alada,
Hermes enrubescido pelas viagens,
nesse equilíbrio mercurial
dos neurónios robustecidos,
do pensamento apaziguado.

O Espírito é a Noite de sonhos evolados
na tragédia finalizada na Origem,
no caminho conseguido de conspirado,
no trilho de perdido em nós tornado.


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Luís Coelho - Biografia

Com cinco livros publicados na área do ensaio filosófico-Espiritual e de análise psicanalítica, o percurso poético do autor foi-se tornando mais certo e coeso, com o cruzamento de múltiplas referências obtidas a partir da sua dedicação às suas particulares obsessões: o Sagrado, a Psicologia da Espiritualidade, o Corpo...

No espaço de um só ano publicou três livros: «O Corpo e o Nada. mini-ensaios teofilosóficos» (Apeiron Edições, 2013), «As Metamorfoses do Espírito. Sobre o mal, a psicologia da Filosofia e o Super-Homem» (Apeiron Edições, 2013), e, mais recentemente, «A Clínica do Sagrado. Medicina e Fisioterapias, Psicanálise e Espiritualidade» (Edições Mahatma, 2014).

sábado, 3 de maio de 2014

A campanha da vida

|Clara Henriques


“Aderiu à campanha dos pontos?”
Grita uma voz, quase máquina, quase nada
Sobre um balcão de um café.
Ninguém lhe liga mas todos lhe respondem:
- Solidão.
Ninguém lhe fez o convite
Mas ela chega e é mundo, é vida, é chão.

De todos os olhares
Que cruzam o meu
Nenhum que saiba ficar
Nenhum que saiba lutar
E é já manhã.

Grito conforme o passo que me assiste
E nada insiste
Na palavra vã.

Sobra a multidão
De um mundo então
E de quem tem de fazer dos dias:
“Já aderiu à campanha dos pontos?”
Para ganhar o pão.


E a resposta é Não.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Poemas de Hugo de Oliveira

|Hugo de Oliveira

Usurpador de sonhos

E nesse sonho partilhado,
Repousamos juntos,
Peito forte, sentido agarrado,
Nessa luta desigual,
Disputamos nosso leito,
E despertos nesse sorriso apartado,
Vagueamos pela razão,
Nessa distância de um beijo que nos separa.
E reiteras teu poder,
Nesse corpo díspar,
Encanto de mil-sóis, nesse cara-a-cara.
São curvas que me fascina,
Imperativa vazão,
Sentimos percorrer sem freio,
Autoritária forma de sentir,
Esse toque jamais esquecido,
Meio forte gasto, ainda me faz sorrir.
Não serei eu nem tu,
Tampouco essa multidão,
Apenas unidos,
Pertenço-te,
Nessa dança trivial,
De corpos fundidos,
Presos e colados por uma mácula divinal,
Que suaviza este enlace,
Esta noite por vezes carnal, outrora anal.
E fugimos no incerto,
Nessa linha que separa a tua face,
Metade mulher, outra animal,
Finges sentir vozes ocultas,
Enquanto brincas no escuro,
Roubando e usurpando sons melancólicos,
Construindo teu reino,
Castelo sem futuro.

*

Maldito tempo

Maldito tempo, monótono e ausente,
Perdido num beijo, por vezes carnal, outrora ardente,
De amanhecer cáustico, noite presente,
Preenchido por virgens num sufoco gritante.
E as perdidas, deveras esguelhadas,
Tatuam em fogo, corpo demente,
E da brisa de orgia crescente,
São membros teus, pernas escumalhas.
Sou prazer desse sexo misterioso,
Noite voluptuoso, seios chocantes,
Parceiras ciosas, do beijo que procuras,
Neste tempo que me absorve,
Chupa, faz-te prisioneira de toques orais,
E sente dor, bem profunda que me consome,
Para crescer em ti, pedaços divinos,
Nesta pura sentinela do novo luar.
Sim, é o tempo que nos permite procriar,
Quais fantasias, quais animais,
São corpos difusos, olhares cristalinos.

*

Calafrio

Nesse frio, pele de mulher que se debruça,
Que lasciva estonteante nos meus braços, certos seios,
Que me arrebate, beija e deslumbra,
Versos soltos, poesia estranha, amor feio, por fim.
Esse ser, pedaço melancólico,
Que finge sentir e lambuzar os meus doces receios,
A quem me entreguei nessa cruel ventura,
A quem jorrou, fácil, papel clandestino.
Sim, essa mulher que a cada amor grita,
A verdade gemida de quem ama,
Preso nas marcas rasgadas, mordido assim.
Esse ser traduz-se num universo sem fim,
Animal sem freio, deturpado no meu rosto,
Que no suave balançar de gestos coordenadas,
Seduz-me nesse bramido estridente,
Nesse corpo, saciado em mim.

*

Hugo de Oliveira
Nasceu a 27 de Março de 1988, numa pacata aldeia no concelho de Felgueiras, porém a vontade de respirar confusão de uma vida cosmopolita levou-o, atualmente, para a agitada cidade de Lisboa.

No tocante à sua formação académica e literária é licenciado em Relações Internacionais (Universidade do Minho), com especialização em Ciência Política (ISCTE-IUL), diz rever na arte das palavras uma diplomacia abstrata de expressões.

Canhoto assumido analisa de uma outra perspetiva o ângulo literário deste tão nobre dom, a escrita.

Entusiasta das emoções, apreciador nato de artes expressivas, do teatro ao cinema, descreve-se num meio-termo de uma obra inacabada.

Autor dos livros:
"Mulher Chuva" (Chiado Editora - Outubro, 2012);
“Pecado & Luxúria” (Chiado Editora – Setembro, 2013)





quinta-feira, 1 de maio de 2014

Mesa do Canto – A revolução todos os dias

|Alexandra Malheiro

Podia esta crónica ser sobre as coisas nenhumas acerca das quais habitualmente escrevo? Podia. Não me tenho dado mal assim, enchi, há pouco tempo, um livro inteiro, a chegar às 200 páginas, só de crónicas dessas, a falar da cidade, sem a qual sou barco sem rumo, folha sem letras, livro sem conteúdo; sobre os pequenos contextos e descontextos, sobre as pessoas que vejo passar pela montra do meu café ou sobre um ou outro amigo que vem sentar-se à mesa comigo a ouvir-me resmungar do tempo ou aqueles com quem discuto o valor etéreo da literatura em dias de chuva. Houve mesmo quem o comprasse e lesse e ainda me viesse dizer que gostou, mais até do que daquela sombria coisa da poesia que nunca ninguém compreende mesmo.

Mas hoje, quando vos escrevo, é Abril. Quando escrevo Abril abrem-se cravos rubros, da cor do sangue que não se derramou e solta-se o vigor da revolução. A que nos havia de salvar da indignidade de não ter voz, da mordaça, da polícia política que avançava casas adentro, esgarçando famílias, torturando, matando, humilhando. Adeus pensamento único, adeus imobilidade de classes, adeus cabeça baixa, chapéu na mão, dorso curvado à ignomínia. Adeus guerra sem sentido.

Quarenta anos passaram da genial revolução sem sangue e olhámos os filhos ressabiados do 25 de Abril que entretanto, por via dele, se alçaram ao poder, entretidos a desfazer aquilo por quem tantos padeceram, muitos lutaram e até morreram.

Alguns avisam e gritam que é preciso uma nova revolução, uma manchada do sangue a que esta nos poupou. Não creio. A revolução está em nós, a democracia, com defeitos e virtudes, é ainda um direito nosso, portanto façamos a revolução nas urnas, nos deveres cívicos que urgem cumprir, ao invés das conversas balofas de café e quando somos chamados a decidir trocamos a obrigação pela praia ou por um encolher de ombros seguido de “não quero saber, são todos iguais, eles querem é poleiro”. Foi o 25 de Abril que, num gesto mágico, nos trouxe a democracia, o direito à escolha, compete-nos a nós não deitar a perder esse direito que é também o dever de fazer (ou merecer) a revolução todos os dias.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Caça-Fantasma

|Maíra Matthes

outra vez
ser convencida pela palavra
‘último’
e
seus ecos
parar ali onde no limite ela significa
‘túmulo e cimento’
ficar ali
imóvel
onde eu digo:
‘barro’
e você entende
 ‘rosas amarelas sobre a lápide cinza’
como se tivéssemos derradeiramente tocado o limite do significado de
 ‘falta de ar’
como quem tenta pronunciar
‘enfim a última vez’
‘o túmulo-vez’
‘o cimento-vez’
‘o barro-vez’
que você me toca no ombro com esses seus dedos arrgh frios
*
Rio de Janeiro. Primeiro de novembro de 2013
Nada mais vermelho em minha pele;
Eu sou você com os cabelos castanhos claros;
Eu sou você enrolada em lençóis brancos;
Eu sou você com os dedos frios;
Come back and haunt me
Etc.
*
a ‘Ultima-Cimento-Barro-Lápide-Vez’
que nossos ácidos ficam inertes e as
cinzas nem tentam derreter o ar
outra vez
agora
de vez
a

‘Ultima-Cimento-Barro-Lápide-Vez’

sábado, 26 de abril de 2014

E então nós éramos duas

|Maíra Matthes


E então nós éramos nós duas

e nós éramos assim:

Saia & Short

e moças soltas sem pai

o dela: sumido para ninguém nunca mais ver quando foi  (DE VERDADE) comprar cigarros numa esquina que o desapareceu.
o meu:  vivo vivinho – “o mesquinho” – fazendo contas com a boca sempre aberta se alimentando de álcool e mel.  

e éramos,

então, 

ninfas

queimando a argila de uma no úmido da outra.

e correndo do escuro-escuro que estava no quase de engolir a gente, de matar a gente toda.

Short corria com rodas rápidas − fugia com cor preta pintada no céu – ela ia pintando assim que ia passando.

Saia fugia arrastava os móveis com seus órgãos moles suas mãos imensas e o coração tentáculo comendo nada.

éramos 

então

juntas na fuga do escuro-escuro que nos espreitava – estrategeava nosso fracasso

mas

estávamos correndo e assim também acontecia tropeções em calcinhas e dragões que ficavam no corredor.

Short matava 3.500.50, 55 dragões por dia.

Saia jogava as calcinhas fora – saía abria o corredor para a janela – para o aberto-reto, o fundo abstrato-branco que ela conseguia (só ali!) respirar.

mas Short se cansou e

“contumaz,”

entrou num cômodo que não tinha janela

e não tinha branco e

não tinha abstrato e

então Short

tirou martelos e foices do seu bolso gigante e destruiu a parede do quarto com krátos e 
bíe.

a parede caiu

Short saiu

fez um corredor no meio dos tijolos todos no chão

cor laranja

cor não entendia qual era a cor

Saia então – do branco distante (só ali vivia!) olhou estarrecida todos os pedaços que foram uma vez parede

e

chorou.

Short cortou tudo que precisava cortar nem chorou nem entendeu partiu correndo levando apenas um presente de Saia (em baixo dos braços) – 
o xerox colorido da Vênus de Botticelli.

E então éramos

nós duas

correndo

cada uma para um lado

no fim.




sexta-feira, 25 de abril de 2014

A explosão do balão vermelho

|Maíra Matthes


depois

morro mais uma vez

como imagino que uma mulher do séc. XIX morreria pois é mais poético morrer como uma mulher do séc. XIX morreria mesmo se você for um homem

ou

porque é melhor morrer como qualquer outra pessoa morreria

e

deve ser bom não morrer sozinho

de verdade

eu digo

como se existisse alguém dentro da sua mente acompanhando sua morte dentro de você e esse alguém      

sim

diria coisas que você gostaria de dizer

“o estupro ao solipsismo é o que eu sempre entendi por penetração”

e então

talvez

você se sentisse menos

(i)

insaisissable

(ii)

a virgem velha morrendo sozinha em minas de minério

(iii)

a imagem mental de 
caverna

(iv)

a coisa em si da 
caverna

(v)

uma caverna qualquer (que ninguém ainda se deu o trabalho de chamar de           caverna)

até o momento em que

psiu!

sua vida

explode num balão vermelho 


quinta-feira, 24 de abril de 2014

A mulher com voz

|Maíra Matthes

Eu me sentindo

− a mulher com voz −

ao mesmo tempo

uma dor de cabeça

que eu penso se não vai nascer

minha filha da minha

cabeça

e as dores, dores do parto todas todas na minha cabeça

mas minha filha não nasce e as dores aumentam na cabeça toda se espalhando tanto que mal consigo terminar saber como eu comecei e ainda tem que ter um fim essa fras

Deus (eu penso Zeus) quer me castigar −

eu penso

mas não,

Deus não pode ser logicamente concebido num mundo que Pandora dá luz à Atenas

então,

a dor de cabeça existe num mundo sem Deus

escondida no invisível, indiscernível nas coisas que os seres sem dor de cabeça podem ver.

ela se espalha e gruda sinistra em tudo

 –  permanece lá –

minha maternidade


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Buraco com pus

|Maíra Matthes

cá estou sentada sobre essa escadaria –

meu cabelo é liso/há vento/meu cabelo voa

enquanto o mundo parece estar dizendo:

“Oh! Como preciso escoar a carne que está se aglomerando no meu rosto”

e é como se eu soubesse de cor uma frase (qualquer) de uma tragédia (qualquer) e a declamasse num tom

infinitamente melancólico

e também é como

se eu preferisse pensar que as folhas e ventos que passam no meu cabelo agora são frutos de alguma vontade,

como se alguém mandasse – de presente –

“folhas e ventos”

para Rua General Glicério, dia 5 de Maio, Sedex

essas folhas [olhe para elas!] estão prometendo tampar o buraco com pus que existe (e ninguém sabe) entre cada fio de cabelo – aqueles que voam no vento agora como se fossem estrelas de cinema.



terça-feira, 22 de abril de 2014

Resumo e objetivos da estória

|Maíra Matthes

Essa estória é sobre a superfície escura do mar e o reflexo branco que oscila sobre essa mesma superfície. Como eles são uma e mesma coisa, essa estória é sobre a superfície do mar que é, ora escura, ora reflexo branco. Essa estória é sobre a simplicidade. É sobre algo como: um jarro sobre a mesa. Ela visa retratar a impressão de plenitude e vazio que podem tomar conta de alguém se, por ventura, este alguém se deparar com o mar, numa noite, provavelmente sozinho. A pretensão dessa estória é fazer o leitor se sentir literalmente sozinho, rodeado pela noite e diante superfícies escuras com reflexos brancos. É fazer com que o leitor consiga ver na imagem do mar a imagem de:

um jarro sobre a mesa.

O leitor vai sentir TUDO. Inicialmente o narrador divagará (por aproximadamente uma página e meia) sobre a natureza do PLENO. O narrador parte do pressuposto de que a visão das superfícies escuras com reflexos brancos remete à ideia de plenitude e pretenderá convencer o leitor disso evocando lembranças sobre superfícies, solidão e jarros. Em seguida o narrador afirmará que TUDO não é TUDO senão englobar dentro de si o VAZIO. O PLENO pode não ser o VAZIO, mas o TUDO para ser TUDO precisa ter TUDO MESMO dentro de si, e isso inclui o VAZIO. Então, aproximadamente mais uma página e meia será desenvolvida sobre a natureza do VAZIO.

Mas eis que, de repente (na estória) começa a chover. E os pingos não são poéticos, eles são a antipoética batendo nas costas do leitor. A chuva funcionará como quebra narrativa e terá a função de trazer a “experiência do cotidiano” para o interior do texto. O objetivo desse corte é fazer o leitor se sentir “começando a ficar molhado do lado de pessoas alegres que conversam entre si sem ao menos desconfiar que aquele mar diante de si poderia ser comparado a um jarro sobre a mesa.” [extrato p.4]. Caso o pacto ficcional esteja funcionando, o leitor, nesse momento, se sentirá tremendamente ofendido. Percebam: ele terá sido lançado dos altos píncaros da especulação sobre o PLENO e o VAZIO para a vulgar condição de se sentir “começando a ficar molhado.” Ele terá, então, vontade de cair em alto mar e poderá comparar essa imagem com a de quebrar o vaso que estava em cima da mesa.  E a estória vai acabar assim, com a palavra “desespero” estranhamente flutuando no meio da última frase.


Ps. É importante ressaltar que o término ideal da estória é fora-textual, isto é, a estória apenas terminaria verdadeiramente se e somente se o leitor tentasse suicídio por afogamento ou lesões corporais graves oriundas de profundos cortes de vidros tipo ‘vidros de jarro’. Caso isso não ocorra, não se pode dizer com toda certeza que a estória teve um fim.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Maíra Matthes - Biografia



Mineira, ex-bailarina da Cia. de Dança Paula Nestorov e mestre em Filosofia pela PUC-RJ. Premiada no 6º Concurso Literário de Suzano com o conto “Bárbaras Nuvens” e no Prêmio OFF FLIP com o conto “A Solidariedade dos Abalados.” Professora de Filosofia na UERJ e no CAp UFRJ. Escreve no blog: http://opesodasbolhas.blogspot.com.br/

domingo, 20 de abril de 2014

Mar aberto

|Mariana Teixeira

Visto de cima era um mar

Ondulações em sequência
no fim, a onda mais alta
quebrando
e voltando
para o ciclo
sem fim

Do andar de cima
fazia do telhado vizinho
paisagem
e movimento
para dias estáticos

sábado, 19 de abril de 2014

Imersão

|Mariana Teixeira

se distraído
te empurram
do alto

você mergulha
sem jeito
no ar
duro

a gravidade,
um convite susto
te acorda
te faz bater asas
e o mergulho
no vento
é sua nova casa


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Spray

|Mariana Teixeira

segura o frasco entre os dedos
puxa a aba
e Spray
dentro da narina
Spray
esquerda
Spray
direita
respira fundo
repete a dose
Spray
Spray
respira fundo
aos poucos desentope
e a via fica livre
para a poeira
e o cheiro ruim

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Protesto

|Mariana Teixeira

pinturas a dedo
nas maçãs dos rostos
e em partes dos corpos
parcialmente nus

rebelião de cores
que gritam
em silêncio
e marcham
e marcham
e mancham
e enfrentam olhos
que desejam
que as pinturas
percam a guerra
para o suor

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Glicose

|Mariana Teixeira

glicose
em pequenas
e esporádicas
doses
deixadas
sobre a mesa
embrulhadas
em papel vermelho
e fita
de cetim

cada pedaço
doce
declara
o que a boca
não fala
o que o medo
não encara
o que o impulso
dispara

terça-feira, 15 de abril de 2014

Gaveta

|Mariana Teixeira

Da gaveta que tudo cabe
às vezes vaza
um monte de coisas
da alma
da lama
na mala

vaza acaso
vaza atraso
vaza caso
às vezes vaza
tanta coisa
que a gaveta parece rasa

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Mariana Teixeira - Biografia

Foto de Leandro Giannotti


Mariana Teixeira é poeta, escritora e redatora.
Nasceu em mil novecentos e oitenta e quatro, mora em São Paulo e sonha em uma casinha no meio do mato.


É autora do livro de poemas e minicontos “Inversos Paralelos” (Editora JAC, 2013), do blog www.correndocomosdedos.blogspot.com.br e tem poemas publicados na antologia “Hiperconexões: realidade expandida" (Editora Terracota, 2013), a primeira antologia de poemas sobre o pós-humano da literatura brasileira, organizada pelo escritor Luiz Brás. Também é criadora do projeto ‘Gota a gota’, juntamente com a artista plástica Shirley Soares (www.facebook.com/duplagotaagota)