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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Liberdade de Escrita

|Olinda P. Gil

O lápis sabia escrever melhor que ninguém: melhor que a esferográfica, que a caneta de tinta permanente, que a antiga pena de outros tempos.
Era um campeão. Vencia todos os concursos organizados pelo papel. Sabia mais sinónimos, adjectivos e verbos que todos os outros...
Conseguia construir mil e uma situações nas suas histórias que provocavam os mais variados sentimentos nas mais variadas pessoas. Fazia os poemas mais belos alguma vez ouvidos, que se perdiam, voando e dançando por entre árvores e canaviais quando ele os declamava.
A antiga pena tinha imensa inveja dele, porque se julgava detentora de toda a sabedoria: por ser mais velha e por ter passado pelas mãos de todos os antigos autores. Era sábia, certamente, mas era a inocência e ingenuidade do lápis que conquistava os corações do mundo. A pena poderia escrever bem e com sapiência, mas jamais como o lápis.
A caneta de tinta permanente era vaidosa e julgava que, por as suas letras serem as mais belas, os efeitos no papel serem os mais esplêndidos, o seu escrever ser o mais suave, era ela quem tinha mais valor. Mas quando as suas palavras se liam toda a beleza que a sua tinta e risco continham desaparecia. Jamais escreveria como o lápis.
A esferográfica, de origem humilde, julgava se ser a maior escritora por ser a detentora de todos os sofrimentos. Porque era uma simples operária ignorada e mal tratada pelos seus patrões, escrevinhava os seus sentimentos num papel rasca. Mas escrevia sempre as mesmas coisas, as mesmas ideologias, as mesmas lutas que todos já estavam fartos de ler. Quanto mais valia a pureza e infantilidade do lápis! Jamais o talento do lápis seria ultrapassado!
Ora houve um dia que as invejosas escritoras se juntaram para difamar o lápis. E resolveram então fazer um concurso inédito: um concurso com um tema: a liberdade. O papel aceitou por não saber o que queriam as malvadas escritoras cegas de inveja. A liberdade era um tema complicado, e o lápis, habituado a coisas simples e com a fraca sabedoria simbólica de uma criança atrapalhar se ia.
A pena falou da liberdade que tinha quando voava nas asas de um pássaro. A caneta de tinta permanente falou da liberdade da água durante o percurso do rio e comparou a à sua tinta escorrendo de dentro de si. A esferográfica falou na liberdade política, na liberdade de ideias que tanto estava habituada. E o lápis não escreveu absolutamente nada. Estava nervoso, chorava, partia se lhe o bico, e porquê? A pobre criança não sabia o que era a liberdade. Deixou então de escrever.
E o tempo foi passando, pouco a pouco, e ele, desesperado por não saber o que era a liberdade, já nem comia, nem dormia. Andava sempre perdido por entre os campos, escondido na escuridão e nas sombras da noite. E tinha vergonha de não saber o que era a liberdade.
Estando o lápis um dia a meditar (que coisa tão estranha para uma criança!) aparece uma pomba que poisou perto dele.
– Sabes o que é a liberdade? – Dirigiu se lhe – Era o modo como vivias antes, feliz e fazendo o que querias: a partir do momento que te impuseram algo, um tema, tu perdeste a liberdade.
Então o lápis deu se ao trabalho e escreveu sobre a liberdade seriamente, analisando a como ainda ninguém tinha feito. E a pena, a caneta de tinta permanente e a esferográfica descobriram então que afinal ainda não sabiam o que era a liberdade.