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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Mesa do Canto – Das estranhas coisas que me interessam

|Alexandra Malheiro

Na confortável posição em que me encontro, mesa de canto, montra do mundo, que é afinal a montra do meu café, conforme mexo o açúcar no fundo da chávena, pergunto-me que coisas são as que me interessam e que, depois, hei-de verter em prosa ou em verso ou aqui pela crónica a fingir de literatura.

Percebo que do mundo me interessa pouco a crise, os maneirismos afectados do Portas a sacudir-se, ele do governo e o seu desgoverno do capote, interessa-me pouco o ruído fatigado da televisão, o futebólico gemido pseudo-heróico, erguendo cidades de felizes vencedores do nada.

Sento-me no meu café e rápido percebo que é ali que o mundo pára e se estabelece com novas tabelas e balizas, é ali que o meu novo mundo se ancora e me preenche, na verdade o mundo bem podia ser apenas aquilo que vai para lá da montra do meu café.

Interessam-me os pedintes, tão diversos, o cão o seu mendigo que por ele pede, por afecto, o de guitarra triste que canta com voz roufenha uma música à qual expeliu já toda a melodia, a velha arrastando-se ao calor, vestida de andrajos próprios para o Inverno há muito ultrapassado, interessa-me o quarteto de mórmones apertados por igual nas suas gravatas, amassando a bíblia cansada no sovaco. Interessa-me a rapariga muito branca e muito magra com uma saia subnutrida interrompida ao mais alto nível das coxas, deixando antever um tugúrio – talvez tão pálido? – como a pele que a ele conduz.

Interessa-me o rapaz do braço tatuado, desenhado de monstros e infernos – quem sabe os seus? – até à altura do punho. Interessa-me o homem velho, bem vestido e penteado, que há anos conheço fiel ao mesmo café, e que traz agora uma bengala, encastoada a prata, nem tanto para se apoiar nela mas para a usar arrastando-a, como os cegos, o seu sonar sondando o caminho adiante – como seremos nós na sua idade? Serei ainda, como ele, fiel ao mesmo café? Segurarei a chávena com trémulas mãos e aos olhos baços que lágrimas me acorrerão?

Interessa-me o homem extravagante, todo vestido de branco, de redundante e efeminada bolsa ao ombro, cantarolando bem alto uma canção que o par de auscultadores, também eles brancos, lhe debitam aos ouvidos.

Interessa-me o casal, pouco mais que adolescentes, ela de olhos rasos de água, vermelhos de abismo e ele procurando secá-los no seu abraço demorado – que misérias os devastariam àquela idade?

Interessa-me a madame e o seu lulu, com lacinhos grená nos caracóis e o homem das calças vermelhas, vagamente semelhando um artista ou um cowboy, nem sei bem.

E, é bem claro, interessa-me o silêncio que se põe na tua boca, o desejo precipitado nas pontas dos teus dedos e interessa-me ainda mais o castanho arredio dos teus olhos.

Enfim, acento e concluo, que tudo o que a mim me desperta é quanto ao mundo nada interessa.