|Pedro Eiras
A partir do camião, o caminho é curto: alguns passos cegos e
chego. Deposito e volto (um corpo que não sou eu, um corpo que carrego). Subo
ao camião, sinto frio. Se atravesso o passeio, contorno as pessoas, pessoas
vivas que passam (animadas, as pessoas com as suas pequenas almas).
É uma manhã
de Janeiro, choveu toda a noite, as poças abrem as bocas, mas o céu está
escuro, eu atravesso carregado (é cedo para pensar, tenho sono, não sinto o
peso, acordo de repente, aqui e agora, sou eu, atravesso o passeio), chego. O
Fausto estacionou em segunda fila e deixou os piscas acesos, não vá o diabo
tecê-las, por menos do que isso já o Lucrécio foi multado (o mundo acontece,
sem parar, ninguém pode parar).
É uma manhã
(frio, o plástico encharca-me de suor, bate-me na testa, beija-me), ainda é
cedo mas o trânsito começa (donde? e como se concentra? presto atenção para não
ser atropelado). Faz frio (o plástico arde à minha volta na sua brancura suja),
se tenho de subir ao camião sinto mais frio, talvez mais frio do que o ar?
talvez mais frio do que o ar.