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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Sem notas de rodapé – Fim de um ano, começo de outro

|Maria João

O fim de um ano e o começo de outro é para mim sempre um momento de balanço. Talvez por feitio, por ser exigente demais comigo e com o mundo, tendo a percepcionar sempre um saldo negativo. Egoísmo, falta de perspectiva, ingratidão. Sublinho a vermelho o que me falta e dou por garantida a longa lista de factores e o curto rol de pessoas que me proporcionam felicidade. Esta é, aliás, uma palavra que raramente pronuncio. Reconheço-a à posteriori, revejo-a naquela situação, invariavelmente passada, pintada com as cores eufemísticas da memória selectiva. Por norma, obcecada com objectivos e cortes de fitas em prazos calculados, grito mentalmente as cinco ou seis determinações que imponho a mim mesma para os próximos 365 dias, enquanto à boa maneira de uma céptica que não quer correr riscos, como as detestáveis doze passas em cima de uma cadeira.

Quis ser diferente nesta passagem de ano. Senti ridícula a Maria João das metas e métodos. Resolução inédita: não ter resoluções. Não pedir a publicação de um livro, uma posição estável no quadro da universidade ou a descoberta de uma pessoa significativa. Sobretudo isto. Resistir à tentação deprimente de pedir felicidade. De gastar, confesso, todas as doze, insuportáveis mas preciosas, passas com este último desejo. Ao invés, sentir-me privilegiada pela noite com amigos queridos. Perante o início de um novo intervalo de tempo que a Terra demora para completar uma volta em torno do Sol, ter a humildade de aceitar que estou a caminho, que ainda estou a caminho. Não vou chegar. Saber que não vou chegar. Perceber que viver é isso mesmo: pôr um pé à frente do outro; conseguir identificar o que de bom nos traz o percurso; lidar o melhor possível com o inesperado e aproveitar a viagem. John Lennon disse-o bem melhor do que eu: “life is what happens to you while you're busy making other plans”. Neste sentido, arriscaria afirmar que a felicidade é o conjunto de momentos que deixamos de reconhecer enquanto permanecemos obcecados pela sua busca. Os meus votos para vós não são, por isso, um “feliz 2014”, mas, sim, os de uma caminhada consciente de si própria, atenta e grata pela sua própria imprevisibilidade.