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sábado, 4 de janeiro de 2014

Mesa do Canto – Tchim! Tchim!

|Alexandra Malheiro

Às vezes gostava de não ser tão sensível ao tempo atmosférico, gostava que a chuva não importunasse o que escrevo aqui como se as suas grossas gotas desatassem a empapar-me o papel onde a caneta desliza, gostava de me abstrair, como consigo, embora só às vezes, abstrair-me do ruído do café, mergulhando no meu silêncio interior, esquecendo o som das chávenas sobre os pires, o remoer mastigativo das côdeas de torradas, o sorver das beberagens, nisso há dias em que sou boa, mas nisto da chuva lá fora a entrar-me pela crónica dentro não consigo evitar.

Logo hoje que achei que ia ser uma crónica boa, a primeira do ano, a cheirar a fresco, o meu melhor latão a brilhar, pulidinho, a crónica dos desejos futuros, das premonições anuais, das resoluções irrevogáveis (irrevogáveis?), embora talvez com um nadinha de odor a fósforo queimado, uma perninha a dançar para a melancolia do ano findante, a querer fazer resenhas, os topes mais e menos dos livros, das músicas, dos amores, dos amantes, dos desejos concretizados e os que também não.

Enfim, não fora o chover estupidamente lá fora, que é o mesmo que o chover-me dentro que nisto da chuva a bater contra o vidro da montra do café é coisa contra a qual não me sei defender; não fora, dizia eu, a chuva a ensarilhar-se no papel da crónica, a ensopar tudo, a mudar-me a tinta em borrões azulados, ilegíveis, medonhos; não fora tudo isso e a crónica seria a mais perfeita, a mais bonitinha, a crónica-bébé do Ano a sorrir nos braços da mamã, diria quase um poema, mas… hélas! A crónica, que tinha tudo para ser perfeita, tropeçou no vento, dobrou as varas ao guarda-chuva (sou do Porto, sim, muito obrigada), escorregou numa poça de água e acabou assim, uma folha amassada na beira da estrada. Se por azar a estiverem a ler é porque não chegou a desfazer-se em papas e alguma alminha a salvou da morte certa no bueiro! (Ah! Como eu queria terminar todas as crónicas assim com um ponto de exclamação erecto e feliz, parece uma “flute”, já brindava com ele – ao espanto! Tchim, tchim!)