O cursor pisca. É a primeira vez
que faço isto. Escrever liberta do formato académico. Escrever sobre mim e o
que me rodeia, de forma assumidamente pessoal. Não existe, é certo,
conhecimento neutro e totalmente objectivo em nenhuma área do saber. No
entanto, é meu dever prevenir-vos de que a crónica “Sem notas de rodapé” adoptará
pontos de vista longe de consensuais e evidenciará a minha própria
mundividência. Não terá uma vasta bibliografia de suporte, nem suscitará
recensões críticas. Tão-pouco pretende constituir mais do que um exercício de partilha.
Estou grata pela oportunidade de o realizar neste «Sítio». Não prescreverei
soluções, não ditarei verdades. Serei corrosiva em alguns momentos. Céptica nos
dias em que, de forma particular, os meus ideais colidirem com a realidade. Racional,
honesta e frontal, pela minha forma de ser. Emocional, sempre.
Tratem-me por Maria João, por
favor. Inevitavelmente, os pseudónimos revelam bem mais sobre nós do que o
conforto do anonimato faria supor. Associo “Maria João” ao tipo de mulher que
sou. Centros comerciais corporizam o conceito de pesadelo para mim. Nunca compreendi
a lógica de (apenas) ver montras. Custa-me, de igual modo, conceber a hipótese
de ir ao wc a pares ou de falar mal de uma amiga que acabou de sair da mesa do
café onde estávamos a conversar.
Gosto de dizer o que penso, às
vezes de forma desconcertantemente directa. Considero-me bastante feminina, mas
nunca usaria sapatos que me impedissem de correr para apanhar o autocarro. Não
trocaria um livro por qualquer verniz da Channel. Reconheço a minha obsessão
por pontualidade. Não sou melhor nem pior do que qualquer outra pessoa. A
arrogância tira-me do sério, em proporção directa com os cidadãos que decidem
optar pelo sofá em vez de irem votar.
Ainda que não filiada, situo-me
no espectro político da esquerda. Sou uma idealista com os pés na terra.
Acredito que é possível contribuir todos os dias para modificar as pessoas e o
contexto que nos cerca. Faço-o, em grande parte, através da minha profissão e
do modo como a exerço. Sou uma professora universitária apaixonada pela minha
área e pelo ensino. A ignorância não me choca (eu sofro dela em doses
angustiantes também). Revolta-me, apenas, a falta de vontade de aprender e ser
mais, a recusa da complexidade, a apologia do facilitismo. Poucas coisas me dão
mais prazer do que desconstruir ideias, transmitir entusiasmo, incentivar o
espírito crítico na percepção do mundo, ver os olhos dos alunos a brilhar.
Dir-me-ão que tal se deve aos meus 30 anos. As probabilidades jogam, bem sei,
em meu desfavor. Lutarei, porém, contra a indiferença. Procurarei resistir à
tentação de me fechar na redoma universitária, naquela em que pessoas capazes
de analisar o sistema económico feudal durante duas horas não conseguem
preencher o seu IRS. Acompanhem-me neste esforço e, peço-vos, massacrem-me ao
mínimo sinal de fraqueza.
É justa a vossa reclamação
entredentes. Disse-vos ainda muito pouco acerca das temáticas que este espaço
de crónica abarcará. Não possuo um índice para vos apresentar. Contudo, posso
adiantar que as artes plásticas serão uma companhia frequente. As relações
entre homens e mulheres terão uma presença forte (risos…). Reflexões sobre opções
e ritmos de vida, rotina e fuga saudável às normas instaladas constarão deste
reportório. O resto não se inscreve necessariamente numa categoria nem se
arruma numa gaveta. A utopia de um Pingo Doce sem filas de espera possuirá o
mesmo tempo de antena que o debate sobre a crença ingénua na capacidade da
arquitectura mudar o mundo. Os anúncios que astrólogos insistem em colocar nos
nossos limpa-para-brisas configurarão um assunto tão válido quanto uma sonata
de Chopin. Tanto poderei discutir Michel Foucault, como uma ida à loja do
cidadão (na verdade, o primeiro é muito útil para perceber como funciona a
segunda). Desconhecer, por um lado, o que nos espera e tentar a todo custo, por
outro, antecipar e controlar cenários é algo inerente ao ser humano. Esta
crónica repousará nesse frágil (des)equilíbrio.