Entrevista a Luis Henrique Pellanda – parte 2
|Carolina Vigna-Marú
Na
segunda parte da entrevista a Luis Henrique Pellanda, começamos por falar da
sua literatura, passamos pelo jornalismo e acabamos por entrar na intimidade do
autor, buscando aquilo que é o seu
posicionamento perante o ato de escrever.
Pergunta boa, nem sei por onde começar a responder. Gostaria
de ser menos vago, mas acho que vou fracassar. Vamos lá. Em relação a meus
personagens, faço uma confissão pessoal: tenho certa tendência a gostar dos
outros. Sim, é um defeito, não é? Um tara, sei lá, uma fraqueza. Vai que sou
perverso? Mas gosto dos outros (não de todos, é claro), e me sinto bem quando
consigo me relacionar com alguém. Comemoro, acho um milagre da boa vontade
humana — isso existe? Pois tendo a retratar meus personagens a partir dessa
minha maneira de viver em comunidade. Quero também me relacionar com eles,
apesar de não concordar com tudo que fazem ou dizem fazer. Talvez eu sofra de
algum tipo doentio de delicadeza. Dia desses, o João Gilberto Noll disse que me
considerava um “escritor delicado” e até perguntou se o termo me ofendia. Muito
pelo contrário, achei ótimo, talvez eu deva assumir isso, como quem se assume
viciado em álcool, por exemplo. Sou um bêbado, sou um delicado. Pois assumo (só
a delicadeza, deixo claro, pois não bebo faz um bom tempo). Sobre contribuir para
a igualdade escrevendo, olha, acho que é algo bonito, importante e bem difícil
de se fazer. Não acho que devemos escrever sem alguma motivação relevante para
nós, sem um objetivo, sem pretensões. Acreditar nisso me parece uma espécie de
falsa humildade, uma soberba doida. Então, se um dia alguém me convencer de que
algo que escrevi efetivamente ajudou a diminuir as diferenças entre os seres
humanos, e as populações humanas, e as nações humanas, puxa, acho que ficarei bastante
feliz. Quem não ficaria?
Mas falamos de igualdade e de alteridade, coisas tão
complicadas e distintas. Acho ótimo você ter percebido isto: o único conto em
terceira pessoa no Macaco é o que
fala diretamente dessa relação nossa com o outro. É exatamente o que eu queria.
Quando montei o livro, a intenção era esta: dar essa ênfase a este conto, “São
Menécio”. Acho que a alteridade é, sim, em parte, sentir as dores do outro, mas
também sentir as alegrias do outro, sem que elas nos ofendam ou diminuam. Mas isso
não é tudo, é claro. A alteridade também tem a ver com ideias de integração,
aceitação, dissolução da noção de indivíduo etc. Sonhos, em suma. São Menécio
sentiu, sim, as dores dos outros, mas essas dores eram os sintomas de males que
não o afetavam. Por isso ele não tinha medo delas, as dores, não as temia nem
valorizava. Mas quando sentiu na pele dores até menores, só que suas, pessoais,
tão misteriosas quanto banais, viu que não estava preparado para a vida.
Colocar-se no lugar do outro nunca será a mesma coisa que ser o outro. A
pergunta é: isso é mesmo o melhor que podemos fazer?
O fato de você ser
jornalista me diz que, ao começar algo, você já sabe mais ou menos o tamanho
que terá e quanto tempo levará para escrever. Por outro lado, esse treino louco
de criar sob demanda, também dá uma disciplina incrível. É essa a chave para
gerenciar essa produtividade altíssima que você tem? Morro de inveja.
Aproveitando, se puder, fala um pouquinho do Vida Breve.
Não sei se produzo tanto quanto gostaria. Por outro lado, sei
que tenho trabalhado bastante. Lancei meu primeiro livro em novembro de 2009 e,
de lá para cá, já lancei outros três trabalhos. Foram quatro livros em pouco
mais de três anos. Gostaria de lançar um novo volume de contos ainda em 2013,
mas não sei se o terminarei a tempo. O negócio é ir com calma. Por outro lado,
até o final do ano, sei que já terei terminado um segundo volume de crônicas. É
provável que tenha algo para publicar. Mas trabalho com muitas coisas ao mesmo
tempo, e quase todas ligadas à escrita, à leitura ou à pesquisa na área da
literatura ou da pura fabulação, e isso me atrapalha um pouco no sentido de
que, apesar de ser disciplinado, não me organizo exatamente para escrever
literatura. Sobre o tamanho dos textos, não sei se o fato de ser jornalista tem
a ver com isso, mas já calculo de antemão, sim, a extensão de cada trabalho.
Antes de escrevê-los costumo esboçá-los numa caderneta, ou numa folha avulsa
qualquer. Quero saber como devo começar e terminar aquilo antes mesmo de sentar
ao computador. Mas é coisa simples, nada de esquemas detalhados. São só estruturas
rascunhadas.
Sobre o Vida Breve,
está aí uma pedra dura, mas boa de quebrar. Faz bem para os músculos. É uma experiência
excelente, que edito em parceria com o Rogério Pereira desde 2009. Já passaram
pelo site dezenas de cronistas e ilustradores (você entre eles, é claro!), e
temos recebido uma ótima resposta dos leitores. A cada dia, de segunda a
sábado, publicamos uma dupla fixa, um cronista e um ilustrador, e
eventualmente, aos domingos, temos convidados. Ninguém ganha nada, mas nos
obrigamos a produzir semanalmente para um público interessado, real e
participativo. Dia desses fui conferir o nosso movimento. Atualmente temos,
mais ou menos, 25 mil visitantes mensais. E esse número tem aumentado
constantemente. Está muito bom.
Li em algum lugar que você
jogou seus textos mais antigos no lixo. Você acha que não tinha edição possível
ou simplesmente estava farto deles? Qual a importância dessa limpeza para você?
Como você lida com as obsessões, com aquelas ideias que perseguem a gente?
Sim, joguei fora dois “romances”, um (mal) concluído e outro
em andamento. Eu os escrevi com vinte e poucos anos e jamais pensei em
publicá-los, não seriamente. Não achava que estivesse pronto, tratava-se de
material ruim, imaturo, inocente, e também percebi, num dia de sorte e sensatez,
que meus “romances” eram, na verdade, um feixe grosso de contos frouxamente
amarrados. Minha tentação é narrar curto, e não sinto que me falte o que contar
ou falar. Tenho assunto. Só não gosto de me estender muito numa mesma história,
pelo menos até agora elas nunca me pediram mais que 50 páginas, no máximo.
Sobre minhas obsessões, não sei direito quantas são, nem se são realmente
obsessões. Mas, claro, há temas que sempre voltam para o meu texto, em geral
ligados à memória, ao sexo e à religiosidade (e aí, é claro, estão incluídos
assuntos-clichê como o amor e a morte, nem precisamos mais enumerá-los). São temas
que têm a ver com todo mundo, mas também particularmente com Curitiba, com os
subúrbios da capital, sua proximidade histórica e geográfica com uma zona rural
extremamente católica e preconceituosa. Não fujo do ambiente em que fui criado,
e não abandono o lugar onde vivo. Se eu sair dele, não é a minha fuga ou a
minha negação que vai melhorá-lo. Vivo numa roça iluminada, que hoje também
calhou de ser uma metrópole de mais de três milhões de habitantes, uma cidade
que, apesar de tudo, tem aprendido a aceitar sua surpreendente (e comovente)
vocação cosmopolita. Vivo, portanto, numa cidade grande e violenta, racista,
sexista e socialmente cruel, mas sei que, ao mesmo tempo, aqui há cada vez mais
pessoas dispostas e capazes de amar e lutar por uma possibilidade real de justiça.
Para mim, isso é coisa séria. Não posso viver aqui sem escrever sobre essa
vida.