20.02.2013, 10:00 - Frankfurt - Porto. Não é o mesmo voo de há dez
anos, quando fui convidado pelo, então, pequeno festival “Correntes d’Escritas”
num lugar a norte do Porto, de que já tinha ouvido falar.
Por sugestão do Rui Zink,
tinham-me convidado para falar numa “mesa” sobre a divulgação da literatura em
língua portuguesa no exterior, o que, na minha qualidade de tradutor e dono de
um website de crítica (melhor dizendo, divulgação) literária, realmente fazia.
Mas, hoje, à distância de dez anos, eu com mais cabelos brancos e o festival já
com renome a nível mundial, vejo como aquilo que fazia na época era pequeno e como as coisas foram evoluindo a partir daí.
Setembro 2012, meio-dia - Um café em Berlim. Estou a tomar café com João
Paulo Cuenca e conversamos sobre Póvoa
de Varzim. Foi lá que nos conhecemos, e lá bolámos o plano de fazer umas
pequenas leituras de sua literatura na Alemanha - lá nasceu a edição alemã de
seu romance O único final feliz para uma
estória de amor é um acidente, que estamos a lançar.
20.02.2013, 10:00 - Frankfurt - Porto. Os assentos são apertados e
lembro-me de que José Eduardo Agualusa costuma trabalhar em aviões. Eu aqui nem
sou capaz de ler o jornal. E lembro-me que, quando no ano seguinte à minha
primeira presença nas Correntes d’Escritas não fui, senti tanta saudade, que em
2005 comprei um voo low-cost e fui sem ser convidado. Tão low-cost foi o voo
que tive que fazer escala e pernoitar em Londres, no chão do Aeroporto. Fez
muito sucesso a estória e hoje vejo como este disparate valeu a pena.
Novembro 2012 - Salzburgo
(Áustria), a almoçar com Luiz Ruffato, cujo livro Eles eram muitos cavalos li pela primeira vez em sua edição
portuguesa, na Póvoa de Varzim. Hoje estamos a lançar a edição alemã - a minha
tradução, de que tenho tanto orgulho. Poucos dias antes estive em Berlim com
Ondjaki, outro amigo desde a minha primeira participação nas Correntes
d’Escritas, dez anos atrás. Mais tarde, em janeiro terei o privilégio de
acompanhar Conceição Lima, que também conheço desde as Correntes de não sei que
ano, num festival de literatura africana em Frankfurt. Em julho de 2012 estive
em Paraty, e lembrei-me da Póvoa, do primeiro festival literário de que
participei.
20.02.2013, 11:40 - o avião a aterrar. E penso que tudo faz sentido.
Talvez as coisas tivessem acontecido de outra forma, talvez não. Não sei.
Talvez - por exemplo - nunca tivesse começado a ler poesia, se não fossem as Correntes
d’Escritas com suas sessões e noitadas. Certo é que sem estas e muitas outras
amizades destes 10 anos em que frequento as Correntes, eu não teria tantos projetos
e fragmentos de traduções na “gaveta” eletrónica, de que às vezes me sirvo, e
que todos os dias me serve como um incentivo a trabalhar mais e melhor e com
mais entusiasmo. Fui contagiado por isso (o entusiasmo), não só, mas,
definitivamente, na Póvoa.
Não há nem haverá registo
estatístico de como as “Correntes” se repercutem no meu país. Ninguém fará
isso, mas sei por experiência, e porque os vi pessoalmente, que muitos dos
poucos escritores de língua portuguesa que são traduzidos na Alemanha já
passaram pela Póvoa. Não quero construir causalidades, apenas relato a coincidência.
20.02.2013, 12:15 - entro no lobby do Hotel VerMar e a primeira escritora
que vejo é a Andréa del Fuego, que já conheci antes, em Frankfurt, na Feira do
Livro. Cumprimento-a como se eu fosse da
casa. Sensação estranha. Sei
que mais tarde encontrarei outro escritor brasileiro, com quem há muito queria
falar, aqui nas Correntes. É quase uma lógica. Assim como o reencontro com os
habituais frequentadores, que como o disse Ivo Machado diversas vezes, juram
não ir mais às Correntes para não abusar, mas por alguma magia ou necessidade,
voltam sempre. Assim como eu.
Se me perguntam o que as
Correntes me deram, além de alojamento, comida, livros, leituras, amigos, convívio
e um crachá de participante, que todos os anos carrego com grande orgulho, posso
dizer que, no fundo, no fundo, as Correntes d’Escritas me ensinaram a ler e a escrever.